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Ideias para o ar

Observatório de ornitorrincos

No Sábado passado, além de uma magnífica edição de O Interior abrilhantada pela minha ausência destas páginas, o leitor poderia encontrar dentro do saco do Expresso um mapa de meio Portugal – desde a fronteira com a Galiza até à latitude de Grândola, Cuba e Moura – com sugestões para sair para o ar livre.

Apesar de alguns leitores estarem desesperados pela segunda parte do mapa, devo dizer que gosto deste Portugal que não contempla o Algarve e o Sul do Alentejo. É como uma espécie de desejo secreto que a Reconquista cristã no alvor da nacionalidade tivesse parado em Grândola. Cidades como Beja e Portimão podiam muito bem ser berberes que não me importava muito. E para mim, que não tenciono pôr lá os pés, o Algarve tinha mais graça se a língua corrente fosse árabe e não inglês. É verdade que não teríamos a Costa Vicentina, mas em contrapartida não se poderia fazer o festival do Sudoeste. Perdia-se numas coisas, ganhava-se noutras.

Este mapa do norte e centro tem bonecos e figuras e símbolos para indicar os melhores sítios para passar bons tempos ao ar livre. Felizmente os autores do mapa não conhecem a quinta dos meus tios e o terraço da minha casa, evitando assim as enchentes costumeiras sempre que algum local é assinalado como o melhor para fazer qualquer coisa.

Os autores deste mapa publicaram no verso os melhores espaços para realizar onze actividades diferentes. Apreciemos cada uma das propostas. A primeira ideia dos autores para o ar livre é “fazer um piquenique”. Isto é típico de gente de Lisboa que acha que uma esplanada no meio de um parque de estacionamento é contacto com a natureza. Comer ao ar livre, no meio de mosquitos e formigas, com pratos de plástico e talheres desdobráveis é tão giro como cortar os pulsos como um abre-latas. A seguir propõem-nos “paisagens de morrer”. Isto é já jornalismo de causas. Não só é uma publicação que defende a eutanásia e o suicídio como sugere locais bonitos para o fazer. Um aviso: se cortar os pulsos, use um canivete afiado e faça uma pequena cama de folhas secas para o sangue não se espalhar. Lembre-se da diferença entre comunidade e sociedade de Tonnies e não deixe aquilo uma porcaria.

Para “acampar” parece que há uns locais próprios com algum arvoredo chamados parques de campismo. Estes parques possuem casas de banho dignas de aparecer em filmes de terror série B e onde vivem microorganismos que a Organização Mundial de Saúde ainda não identificou. Também pode “levar os miúdos”, mas obviamente que o bom senso não aconselha e a lei não permite. Talvez em paróquias irlandesas, mas este mapa, relembro, vai apenas de Grândola a Caminha.

Se o leitor estiver interessado em “namorar” ao ar livre talvez precise de ler um pequeno dicionário estilístico para perceber que o entendimento da lei sobre o pudor não costuma condescender com o verbo namorar simultaneamente entre aspas e ao ar livre.

Para “andar de bicicleta”, “nadar”, “escalar”, “caminhar” e “correr” pode muito bem o leitor seguir os conselhos do ar livre deste mapa do Expresso ou assinar os canais de desporto e comprar uma consola de jogos. Os jogos de vídeo e o desporto na televisão dispensam produtos químicos e não provocam lesões. Mas o leitor é soberano. Se quiser ir para a rua cansar-se e apanhar calor, esteja à vontade. Também há pessoas que preferem casar-se a rever o Quatro Casamentos e Um Funeral. Gostos.

Por fim, é sugerido ao leitor “jogar golfe”. Não vou tecer comentários a esta última sugestão porque as pessoas que gostam de golfe têm o mínimo de educação suficiente para já terem percebido que não valia a pena ler este texto até ao fim. E para, no tempo que demora a ler isto, terem descido para lá de Grândola.

Por: Nuno Amaral Jerónimo

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