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Homens para não esquecer no 25 de Abril

João Gomes, José Rabaça, Mário Canotilho, Augusto Monteiro Valente e Cândido Pimenta são cinco personalidades emblemáticas do pré e pós 25 de abril no distrito da Guarda. Porque a memória é curta e a História demora a fazer-se, O INTERIOR recorda a sua ação em prol da democracia e contra o espartilho do Estado Novo. São cinco homens que ninguém pode esquecer nesta efeméride.

João Gomes

Além de fundador do PS, o advogado João Gomes (1913-2003) foi um republicano perseguido pela polícia política do antigo regime (PIDE), mas esteve sempre envolvido nas manifestações e candidaturas democráticas antes do 25 de abril de 74, designadamente nas de Humberto Delgado, Norton de Matos e outros. Na Guarda, foi cronista político da Rádio Altitude com o espaço “Reflexões Políticas”, foi membro da Assembleia Distrital e Governador Civil. Personalidades como Mário Soares, Jorge Sampaio, António Almeida Santos, Abílio Curto, Armindo Ramos, José Rabaça, Alípio de Melo e Augusto Monteiro Valente conviveram com João Gomes, designadamente na atividade política, tendo-no recordado como um defensor das causas da Guarda e dos valores democráticos e republicanos.

José Rabaça

Outro inconformista foi José Rabaça (1927-1998). Natural de Manteigas, foi uma referência da luta anti salazarista e, mais tarde, da cena política nacional do pós revolução, tendo sido inclusive secretário de Estado da Indústria Ligeira no Iº Governo Constitucional.

Contudo, a sua intervenção cívica iniciou-se nos anos 40, quando aderiu ao MUD Juvenil e destacou-se mais tarde ao candidatar-se nas listas da Oposição Democrática pelo círculo eleitoral de Castelo Branco a um lugar de deputado na Assembleia Nacional. A Ação Socialista foi o passo seguinte na vida deste grande inconformista, que transitou depois para o Partido Socialista do qual foi membro fundador e de onde veio a ser expulso em 1983. Poucos anos depois fundou o PRD com Ramalho Eanes – que já apoiara na sua recandidatura à Presidência da República em 1980 – e Hermínio Martinho.

Personalidade notável, outras das facetas mais conhecidas de José Rabaça – que também foi industrial em Manteigas e uma figura emblemática do associativismo empresarial dos lanifícios – foi o jornalismo. E se nos anos 50 do século passado pertenceu à redação do “Diário Popular”, foram os seus artigos de análise política publicados anos mais tarde no semanário “Tempo” e no vespertino lisboeta “A Capital” que mais marcaram a sua intervenção na sociedade do pós 25 de Abril. A última aparição pública de José Rabaça aconteceu em Pinhel, em setembro de 1997, numa homenagem sentida a Mário Canotilho.

Mário Canotilho

O advogado de Pinhel, onde a atividade oposicionista fervilhava, regressou à Beira em 1948 com uma inédita medida de coação na bagagem. O Estado impunha-lhe residência fixa em Figueira de Castelo Rodrigo, mas autorizou-o a abrir escritório em Pinhel, a sua cidade natal. Foi o princípio de mais de duas décadas de lutas antifascistas e de defesas dos direitos civis que valeram a Mário Canotilho (1922-1987), ligado ao PCP, prestígio e muitos incómodos por parte da PIDE. Em Coimbra, onde cursou Direito, a ele se deve a orientação ideológica das principais faculdades da Universidade, tendo sido inclusive um dos grandes impulsionadores da vitória de Salgado Zenha na Associação Académica.

Foi sub-delegado da Procuradoria da República na Guarda, cargo que adiou a sua detenção efetiva até ao regresso de férias de Norberto de Andrade, o titular da delegação, e a posterior prisão em Lisboa, onde passou onze meses depois do famoso “Processo dos 108”. Muitos gostam de apelidar a sua geração de mítica e ninguém esquece José Dias Coelho, outro histórico oposicionista de Pinhel, morto a tiro pela polícia em Lisboa nos anos 50. Em 1949, Mário Canotilho integrou o movimento de apoio à candidatura de Norton de Matos à Presidência da República, seguindo-se a campanha de Humberto Delgado. Duas lutas que lhe valeram o reconhecimento de companheiros e adversários pela sua coerência política e firmeza de ideias.

Depois do 25 de Abril, o advogado ainda viveu intensamente a democracia, passando por vários cargos públicos. Em 1976 foi eleito para a Assembleia Municipal de Pinhel pela FEPU – Frente Eleitoral Popular Unitária. Entre 1979 e 1982, foi vereador eleito pela APU e cabeça de lista da APU e da CDU pelo distrito da Guarda nas legislativas de 1979, 1983 e 1987. Mário Canotilho faleceu prematuramente a 24 de agosto desse ano. Em 1991, Mário Soares, então Presidente da República, reconheceu a sua ação em prol da liberdade e da democracia condecorando-o, a título póstumo, com o grau de Grande Oficial da Ordem da Liberdade.

Augusto Monteiro Valente

Augusto Monteiro Valente (1944-2012) é o rosto do 25 de Abril na Guarda. Nesse dia coube ao capitão Valente, então colocado no Regimento de Infantaria (RI) 12, concretizar os planos do Movimento das Forças Armadas (MFA), o que fez com um único tiro para o ar.

Os seus amigos recordam o antigo segundo comandante-geral da GNR como «homem de grande valor, intelectualmente acima da média e extremamente corajoso». O major-general do Exército na reserva, que tinha ligações familiares à Miuzela do Côa (Almeida) e afetivas à Guarda, foi um “militar de Abril”, tendo integrado o Grupo dos Nove, de Ernesto Melo Antunes. Nascido em Coimbra, em 1944, exerceu na GNR os cargos de comandante da Brigada Territorial 5 (1999-2001), inspetor-geral (2001-2002) e segundo comandante-geral (2002-2003). Presidente da delegação regional do Centro da Associação 25 de Abril, Monteiro Valente era investigador associado do Centro de Documentação 25 de Abril e do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX, ambos da Universidade de Coimbra, e colaborador da Revista Militar. Manteve ainda intensa atividade cívica como especialista em questões militares, não esquecendo o estudo do republicanismo e das revoltas militares de resistência à ditadura de Salazar e Caetano.

Nos últimos anos de vida, Monteiro Valente empenhou-se na preservação da memória do general Gastão Sousa Dias, sendo autor de uma biografia deste democrata e antifascista, publicada pela Câmara da Guarda, no âmbito da coleção “Gentes da Guarda”. Presidiu também à Comissão Instaladora da Associação Casa de Cultura Professor Doutor José Pinto Peixoto, na Miuzela do Côa.

Cândido Pimenta

Cândido Pimenta (1905-1983) é outro símbolo da luta anti-fascista na Guarda. O “camarada Pimenta”, como era conhecido nos meios anti-regime, nasceu em Braga e chegou à cidade mais alta na década de 50, trazendo com ele uma fé inabalável de que a liberdade era possível e uma história de perseguição pela PIDE – terá sido numa dessas detenções que ficou sem os dentes da frente devido a um pontapé do capitão Roberto.

Antes, esteve preso no Aljube e no Tarrafal, mas a atividade política nunca esmoreceu e Cândido Pimenta rapidamente se integrou nos círculos oposicionistas da Guarda, ocupando a linha da frente na luta pela liberdade. Dizia-se que era controleiro do PCP, mas foi afastado do partido após sair do Tarrafal e antes de chegar à cidade. A sua história, disponibilidade, coragem e o seu percurso contribuíram para fazer deste tipógrafo, eletricista de automóveis e sucateiro um símbolo para muitos jovens politizados da cidade e de outros pontos do país. Henrique Schreck, Daniel Janela Afonso, Nuno Quintela, António Júlio Garcia foram os mais próximos.

Vítima de um acidente cardiovascular pouco depois do 25 de Abril, Cândido Pimenta aguentou o sopro da vida até 28 de outubro de 1983.

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