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Hipotecar o dia de amanhã

Chegaram, esta semana, as primeiras chuvas. Fizeram sorrir os agricultores, que vão mais uma vez arriscar as sementeiras de Outono/Inverno, e fizeram sorrir também os autarcas que, provavelmente, não terão que racionar, para já, a água para consumo.

No entanto, a situação não é tão animadora quanto aparenta. Se de facto, como diz o povo, esta chuva foi uma bênção dos céus, a verdade é que ela não nos garante de forma alguma a resolução dos problemas trazidos pelo longo período de seca. Quando, há poucos anos, alguém falava em alterações climáticas, logo era olhado com desconfiança, com se tratasse de um lunático, de um profeta da desgraça que falava daquilo que só hipoteticamente aconteceria num futuro muito distante. Infelizmente, hoje, todos reconhecem que o clima mudou. A precipitação diminuiu ao longo dos últimos 70 anos, há uma tendência de cheias e de secas, a temperatura tem vindo gradualmente a aumentar, sendo cada vez mais frequentes as vagas de calor. Face a este cenário Portugal terá que se adaptar a uma nova situação. Mas adaptar-se não significa aceitar, passivamente, uma nova realidade, mas antes criar mecanismos que lhe permitam atenuar os efeitos mais negativos dessa realidade.

São de todos conhecidas as principais razões das alterações climáticas, caso das emissões de gases de efeito de estufa, a destruição da camada de ozono, a má gestão energética e da água, entre outros. Assim, é dever de todos a adopção de uma nova forma de estar que privilegie a poupança energética e hídrica, bem como uma participação cívica que exija dos governantes medidas de fundo para resolução dos problemas ambientais. Contudo não é isto que está a acontecer, quer da parte da grande maioria dos cidadãos, quer da parte dos seus governantes. A nível Europeu, o programa de acção para o ambiente tem sido sistematicamente adiado, sobretudo por parte da pressão exercida pelo sector industrial.

Por cá, projectos que deveriam solucionar o abastecimento de água ao sector agrícola ou têm uma vertente meramente turística, como o Alqueva, ou verão as suas obras tornarem-se intermináveis, caso do regadio da Cova da Beira. No domínio das energias renováveis inviabiliza-se a sua produção devido à falta de capacidade de recepção da rede eléctrica. Para uma redução eficaz das emissões não só não foram adoptadas medidas eficazes, como se permitiu também que os sumidouros naturais, as florestas, tivessem desaparecido, uma grande área só no último Verão. Recorde-se que cada metro quadrado de floresta absorve 124 gramas de carbono. Estes são apenas alguns dos exemplos que contribuem para que a nossa qualidade de vida seja cada vez pior. Se continuarmos a agir desta forma não é o futuro dos nossos netos que estamos a hipotecar, mas sim o dia de amanhã.

Por: Telma Madaleno *

* Responsável pelo núcleo da Quercus da Cova da Beira

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