Haverá um limite para a sátira sem limites? – o caso do cartoon do Hebdo e as vítimas do sismo italiano.
«O jornal satírico francês “Charlie Hebdo” publicou na sexta-feira um cartoon sobre o sismo ocorrido em Itália na semana passada, que matou quase três centenas de pessoas. A imagem mostra um homem e uma mulher feridos, de pé, junto de uma pilha de destroços da qual saem pés. Por cima de cada figura, o nome de um prato típico da gastronomia italiana: “penne” com molho de tomate, “penne” gratinado e lasanhas. O título: “Sismo à italiana”». (in: DN online, 4 de setembro).
A 7 de janeiro de 2015 o mundo ocidental assistiu horrorizado ao atentado à redação do pasquim satírico pseudointelectual e “noveau riche” “Charlie Hebdo”. Logo este mesmo mundo saiu em defesa do direito à liberdade de expressão e milhares, nas redes sociais e em manifestações físicas, declararam “ser Charlie”. Milhares acharam que ofender, caricaturando, a entidade suprema de uma religião, ofendendo milhões de crentes era um direito inalienável do, dito, mundo civilizado. Na altura escrevi aqui que eu “não era Charlie”. Condenei os ataques mas também condenei o excesso de liberdade de expressão do pasquim francês e o sistemático ataque a um grupo religioso, o que catalisou o atentado.
Não há notícias, no mundo ocidental, de um homólogo do “Charlie” ter feito um cartoon a caricaturar esse atentado. Presumo que tenha havido reserva e respeito do mundo civilizado relativamente a esse assunto por ser muito melindroso e por terem morrido uma dúzia de pessoas naquilo que se considerou «um atentado à liberdade de expressão».
Sou completa e absolutamente secular, mas isso não me dá o direito de publicamente ofender quem não o seja. Até posso, em privado, emitir determinados juízos de valor, mas não venho para aqui vociferá-los.
Deveria haver uma linha vermelha, e instantânea censura, para qualquer publicação que brincasse com a morte de inocentes. Este bom senso não esteve claramente presente nas cabecinhas pensadoras da redação do “Charlie Hebdo”, o que os levou a pisá-la gravemente. É moral e eticamente reprovável e causador da maior repulsa, que se queira fazer dinheiro ou ganhar notoriedade fazendo uma analogia entre uma lasanha e a carne de corpos de crianças, idosos e adultos ensanduichados nos escombros dos seus lares demolidos por um sismo.
A estes cartoonistas falta-lhes imensa alteridade e outro tanto chá, além de outros valores importantes que fazem de nós seres humanos. Mas não me surpreende, atendendo ao historial desta publicação. É esta mesma elite pseudo criadora e intelectualóide que, muito parvamente, acha que é arte a defecação de um “artista” no centro de uma qualquer galeria e se apronta para dar uns “uaus” e uns “trés beau” perante a magnífica obra em curso. Acham-se imensa piada. Pertencem a um grupo de marginais que se permitem fazer sangue com os seus “crayons”, elaborando cartoons ofensivos entre imensos tragos de vinho Bordeaux e imensas “passas” e/ou “snifadelas”. O resultado desta mistura explosiva de estupidez, má formação, liberdade sem limites, muito álcool e droga, pode ser muito doloroso para as suas vítimas semanais. Desta vez foram os italianos. Amanhã podemos ser nós.
O “Charlie” não representa os franceses. Haverá milhões deles que reprovam, veementemente, esta publicação (e outras) e que se mostram solidários com a dor dos italianos, e, com eles, uma gigantesca maioria de seres humanos. A capacidade inata de nos condoermos e voluntariarmos para ajudar o outro perante a morte e destruição ainda está, felizmente, presente na grande maioria da humanidade. Mas também o sentimento de vingança.
Quem não desejaria que um qualquer drone “amaricano”, transviado, enviasse um “hellfire” àquela redação e fizesse com eles e o edifício uma lasanha à “la Hebdo”(sem danos colaterais)? Seria justiça divina (o que quer que isso signifique). Não é muito nobre sentir isto, eu sei, mas os sentimentos de vingança e justiça são dos mais potentes catalisadores que o Homem conhece.
Há tipos que não aprendem com o passado e que se põem mesmo a jeito, uma e outra vez. Por isso, juizinho “Charlie”, muito juizinho!
Por: José Carlos Lopes