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Haverá (mais) sangue

Os egípcios são um povo de pouca sorte. Sofreram, durante décadas, as agruras de um regime ditatorial às mãos de Mubarak. Conseguiram, com a revolução branca, depo-lo. Mas logo elegeram outro tipo de ditador, um Mohamed Morsi, testa-de-ferro da Irmandade Muçulmana que se preparava já para coarctar as liberdades recentemente adquiridas, impondo a Sharia (nome que se dá ao código de leis do islamismo em que todas as leis da sociedade são religiosas e baseadas ou nas escrituras sagradas ou nas opiniões de líderes religiosos). “Ups! Lá vamos nós entrar noutra” – terão pensado os lideres da revolução da praça Tahrir. Daí à deposição de Mohamed terão sido necessários uns milhões de “tweets”, “likes” e e-mails que permitiram recolher 23 milhões de assinaturas, numa petição que pedia a renúncia de Morsi (eleito por 13 milhões). Um ano depois, o general Abdel al-Sisi, ministro da Defesa e comandante das Forças Armadas, anunciou, a 3 de julho, a deposição de Mohamed Mursi, referindo que a constituição do Egito estava suspensa e que um gabinete de transição iria governar o país com o apoio dos militares até novas eleições.

O que temos entretanto? Uma guerra civil embrionária num país profundamente dividido entre gente que anseia por uma democracia plena e secular e seguidores de uma organização obscura denominada Irmandade Muçulmana, que é, quase sempre, sinal de repressão às mãos de radicais que seguem, à letra, os rabiscos, passados em folhas de palma, fragmentos de osso ou peles de animais, que deram origem ao Corão.

Confesso que sou um fortíssimo apoiante da fação anti-Morsi, pois sempre o disse e reafirmo que o grau de desenvolvimento psicossocial de uma nação é inversamente proporcional à influência que a religião tem nela. E até podem essas nações, países, federações, principados e califados estar equipadas com infraestruturas topo de gama, terem os passeios e ruas forrados a mármore e os povo passear-se em Ferraris, que permanecerão socialmente subdesenvolvidos, pois o maior dos bens é a liberdade do indivíduo, incluindo a liberdade de ter ou não qualquer religião ou de optar pela não subjugação a leis corânicas, talmúdicas, bíblicas ou outros instrumentos de atraso civilizacional.

Temo, por outro lado, que a democracia não seja um regime facilmente aplicável a todos os estados, pois muitos têm, desde o início, uma raiz fortemente tribal e tribos significam conflitos, os quais só se podem manter em níveis aceitáveis se houver um ditador.

Raios. Voltámos ao início. A verdade é que, se olharmos para um passado recente, com a queda de Saddam, sunitas e xiitas andam a rebentar-se semanalmente mesmo depois da saída dos invasores; Na Síria, o ainda resistente Bashar Al-Assad “lidera” um xadrez político-religioso de 70% de sunitas, 15% alawitas, 10% de cristãos, e uns trocos de xiitas, judeus, druzos e ismailis. E se Assad abdicar? O banho de sangue irá continuar entre apoiantes e detratores do líder caído (com os EUA e outros países mercenários a venderem armas e bens aos dois lados); Na Líbia, o cheiro a petróleo faz com que a instabilidade permaneça até que os americanos, na sua eterna benevolência, apoiem um fantoche que lidere mais um país do qual possam sugar, com menores custos, o delicioso ouro negro para os seus poluentes V8 e estilo de vida insustentável.

Macro-economicamente falando, uma escalada da violência no médio oriente está diretamente ligada a uma dinamização das economias de países como os EUA, Rússia, Israel, França, Alemanha, entre outras sanguessugas, que irão “ajudar” na reconstrução dos países que estão a ajudar a destruir com a venda das armas que alimentam os conflitos. Esses conflitos levam a uma escalada nos preços do petróleo que atrasará a recuperação de economias como a nossa.

A culpa é da “corporatocracia”. Este é o governo-sombra de uma imensa maioria de países. É um regime imposto pelas grandes corporações americanas e europeias. Qual ratazana, depõe regimes que não lhe convêm, alimentando-se das cinzas das nações e sorvendo os recursos que sobram. Entretanto lá, na maldita Wall Street, está montado o quartel-general onde meia dúzia de malfeitores tocam, quais mestres pupeteiros, as cordas com que se comandam nações.

Entretanto, o sangue de civis inocentes continuará a correr, como resultado de gigantescos danos colaterais, nestas guerras de consequências cada vez mais globais.

Por: José Carlos Lopes

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