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Há pagar e pagar, há IRS e voltar

Observatório de Ornitorrincos

Recebi em casa carta registada do Ministério das Finanças, com o título sugestivo “Demonstração de Liquidação do IRS”. Por momentos julguei ser algum anúncio a uma demo jogável para PC de um novo género de shoot’em up no qual o contribuinte, munido de várias armas de fogo, teria de liquidar sucessivamente funcionários das repartições de Finanças até chegar ao último nível, onde os adversários seriam o director geral dos Impostos e o ministro das Finanças. Claro que a mudança de Ferreira Leite para Bagão Feliz tiraria alguma da piada a este último quadro, mas um ministro, para mais o das Finanças, é sempre um alvo apetecível. E os poderes que a personagem da antiga ministra teria em força e combatividade, o do actual ganharia em genica para se esquivar dos tiros e diálogos entediantes para diminuir os reflexos dos jogadores. Não seria descartável uma versão Premium ou Platinum com todos os ministros das Finanças incluídos, ou mesmo uma edição especial para coleccionadores com um nível extra com a presença de todos os primeiros-ministros desde o 25 de Abril. Isto seria verdadeiro serviço público.

Leio a carta com mais atenção e percebo que se trata afinal da carta onde se incluem as várias rubricas das minhas contas do IRS. Percebo pouco de fiscalidade, mas sei que todos os anos há uma pequena quantidade (3 938 827) de alterações no cálculo do imposto. A lista recebida tem 26 parcelas, das quais só percebo realmente o significado da primeira: “Rendimento Global”. As outras 25 podiam ter lá escrito o nome dos jogadores do plantel do Estoril Praia ou os ministros do governo de Santana Lopes, que ia tudo dar ao mesmo. Para mim, são todos desconhecidos.

No fim da lista, a sombreado cinzento, um valor em euros com uma legenda: “Valor a reembolsar”. Parece que durante o ano de 2004 paguei impostos a mais. A Direcção-Geral do Tesouro, simpática, devolve-me agora esse excesso. Agradeço com afeição. Afinal, podiam ter ficado caladinhos e aproveitar aquelas centenas de euros (ainda que poucas) para pagar uns metros de SCUT, para pagar taxas moderadoras de gente pobre, para pagar a um fémur de um administrador da CGD (o valor não chega para pagar um administrador inteiro) ou para emagrecer o défice público (ou a mulher de um político, caso o dinheiro fosse usado para pagar uma lipoaspiração). Mas não. Devolveram-me o dinheiro que paguei a mais. Em Portugal, mesmo que seja o Estado a fazê-lo, é coisa de louvar.

Na realidade, não faço a mais pequena ideia se as contas da Direcção-Geral estão correctas e se este é o valor que me é devido. Mas como o valor acaba em 59 cêntimos, eu acredito. A Direcção-Geral de Impostos usa o mesmo estratagema dos contribuintes que inventam os valores da sua declaração. É fácil desconfiar de uma declaração com rendimentos de 15.000,00 € ou uma devolução de 300,00 €. É muito mais aconselhável apresentar valores como 14.287,92 € ou 325,76 €. Não há cabeça que perceba as contas dos impostos, mas com este procedimento sempre parece que alguém sabe fazer estas coisas.

EU VI UM ORNITORRINCO

Marcelo Rebelo de Sousa

Grande opinador, com a capacidade de falar horas a fio, cala-se quando sente pressões lombares de administradores das empresas onde entabula as suas prelecções. Por sua culpa, Jesus Cristo já desceu à Terra várias vezes nos últimos anos e outras tantas estão previstas para os próximos anos, assim haja congressos do PSD, eleições presidenciais e convites para comentador político nos canais privados.

Por: Nuno Amaral Jerónimo

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