P – Em que consiste o programa de rádio que a Beira Serra está a promover para dar voz à comunidade cigana de Belmonte?
R – É uma das atividades principais do projeto SIM – Sensibilizar, Incluir e Mobilizar, promovido pela Beira Serra em parceira com a comunidade cigana de Belmonte, o município e o Agrupamento de Escolas Pedro Álvares Cabral e apoiado pelo Alto Comissariado para as Migrações, no âmbito do Fundo de Apoio à Estratégia Nacional Integração das Comunidades Cigana. É um projeto comprometido com as prioridades nacionais estabelecidas na estratégia, quer na promoção do combate à discriminação e sensibilização da opinião pública quer na valorização da história e cultura cigana. A primeira emissão está prevista para 24 de junho, Dia Nacional das Comunidades Ciganas, e será um programa mensal de uma hora. Um dos compromissos deste projeto é a implicação das comunidades ciganas locais em todas as fases e a sua capacitação para a defesa dos valores da interculturalidade, justiça social e cidadania. A equipa técnica inclui uma pessoa cigana sendo também uma das que integra o Grupo Representativo das Comunidades Locais, parceiro no SIM. Durante os 18 meses do projeto decorrerão três fóruns, as “Tardes à Escuta”, sobre saúde, educação e associativismo, com transmissão direta, em antena aberta ou “livestream”. Haverá ainda, no final, uma publicação “SIM?! Quem fala?”, com algumas das histórias e entrevistas transmitidas na rádio.
P – Por que decidiram avançar com este projeto?
R – A Beira Serra tem desenvolvido inúmeros projetos relacionados com as comunidades ciganas, quer na inclusão social e escolar de crianças e jovens, na formação de professores e profissionais de saúde, no acompanhamento das famílias. Conhece os seus problemas no quotidiano e também do enorme desconhecimento da sociedade relativamente à história, cultura e ao povo cigano no mundo e particularmente na Península Ibérica, onde residem há mais de 500 anos. Este desconhecimento contribui para a cristalização de uma imagem negativa muitas vezes associada à comunidade cigana, sendo necessário o reconhecimento dos inúmeros exemplos positivos e da enorme heterogeneidade desta comunidade. Com o FAPE 2018 pudemos continuar e melhorar um trabalho iniciado em 2015, quando o fundo apoiou apenas 11 projetos inovadores e experimentais a nível nacional. A Beira Serra, também em parceria com o município de Belmonte e as comunidades ciganas locais, realizou quinze emissões de rádio emitidas semanalmente na Rádio Caria e online através da sua página no “soundcloud”, tendo terminado com um concerto do grupo Ciganos D’Ouro. Este projeto teve uma avaliação muito positiva, com impacto a nível local, regional e mesmo nacional, e foi um impulso positivo de afirmação da cultura cigana, de autoestima e reforço no exercício da cidadania, determinante para o empenho neste novo SIM. Por outro lado, queremos ver reforçada a vocação inclusiva de Belmonte, cuja integração da comunidade judaica tem tido projeção nacional e internacional, com a inclusão das comunidades ciganas. Aliada a esta vontade há uma relação sedimentada com as famílias ciganas que ali residem há muitas décadas e a boa avaliação do SIM!, que foi referenciado no Estudo de Avaliação Externa da Implementação do FAPE 2015 e 2016 como um dos três projetos com atividades inovadores no total dos 32 desenvolvidos.
P – Como vai funcionar e como se poderá ouvir essa rádio?
R – Foi proposta a emissão na Antena 1, procurando aumentar o auditório do programa, queremos ainda manter a possibilidade de ouvir em diferido através de um “podcast” acessível a todos com ligação à internet. Cada programa abordará uma temática específica e o alinhamento contará com música, entrevistas e/ou reportagens. Os convidados serão personalidades de âmbito local e nacional, que se destaquem pelo seu contributo na promoção do diálogo intercultural, pelo seu desempenho no exercício da profissão ou com histórias de vida singulares. A reportagem incidirá sobre o tema de cada programa, que serão história, educação, o associativismo, a Estratégia Nacional, a gastronomia, entre outros. Os momentos musicais permitirão dar a conhecer os intérpretes portugueses ciganos que se destaquem pela qualidade do seu trabalho e sobretudo valorizar os contributos da cultura cigana nos mais variados géneros musicais. Cada programa tem um grupo de trabalho específico consoante a temática, com convidados, ciganos e não ciganos, que, pelos seus conhecimentos e experiência, possam contribuir para a construção do alinhamento.
P – O que é que as pessoas poderão ouvir?
R – Para além da voz e do cajon que carrega toda a ancestralidade de uma cultura riquíssima, poderão ouvir histórias pessoais que irão certamente desmitificar uma série de mitos e factos associados às comunidades ciganas. A história, a origem do povo cigano, acontecimentos históricos, as várias migrações, são factos desconhecidos e de enorme curiosidade por parte de grande maioria da população mesmo entre os próprios ciganos. Há muito para conhecer e para descobrir. Não é só na música, pelo mundo os ciganos têm-se destacado no cinema, na poesia, na pintura, na política, no associativismo, e é urgente que haja esse reconhecimento por parte de todos.
P – Como tem reagido a comunidade cigana ao projeto?
R – Algumas das pessoas ciganas residentes em Belmonte estão envolvidas no projeto desde o início da candidatura. O impacto é muito positivo, os problemas e as aspirações são diferentes de família para família, de pessoa para pessoa, no entanto é unânime o reconhecimento de como é importante haver projetos específicos para a comunidade cigana, que valorizem a história e cultura e promovam o combate à discriminação, sobretudo num concelho onde a comunidade judaica, também minoritária, tem tido tanto destaque, e com a qual partilham um passado de repressão.
P – Que outros projetos estão previstos nesta área?
R – A Beira Serra tem outros projetos que trabalham diretamente com famílias ciganas, nomeadamente no âmbito do “Programa Escolhas”, somos entidade promotora do projeto “Talentos E6G”, que trabalha com um extenso consórcio de entidades públicas e privadas nos bairros da Alâmpada e das Nogueiras, nas freguesias da Boidobra e Teixoso, respetivamente. Ali vivem algumas das famílias ciganas do concelho da Covilhã que participam ativamente nas atividades, seja na gestão doméstica, mediação familiar, apoio ao estudo, encaminhamento e capacitação para a vida profissional. Em Belmonte iniciámos em 2015 um trabalho que virá a ter repercussões noutros projetos. Já há outras propostas da comunidade e o facto de trabalhar em rede com os parceiros locais irá certamente ser disseminador do reconhecimento das comunidades ciganas e do combate à discriminação.
Perfil:
Coordenadora do projeto SIM – Sensibilizar, Incluir e Mobilizar
Idade: 42 anos
Naturalidade: Oliveira do Hospital
Profissão: Técnica de Intervenção Social
Currículo: Licenciatura em Antropologia pela FCSH da Universidade Nova de Lisboa, mestrado em Design Urbano pela Faculdade de Belas Artes da Universidade de Barcelona, técnica de Intervenção Social da Beira Serra desde 2008
Livro preferido: “As Cidades Invisíveis”, de Italo Calvino
Filme preferido: “Les Roseaux Sauvages”, André Téchiné
Hobbies: Tricotar e bordar