Finalmente, neste tríptico do gasóleo, eis um trajecto difícil de percorrer fora das auto-estradas. Uma odisseia sem sereias nem Penélopes, uma saga pouco familiar. O caminho da Frodo do Shire a Mordor tinha pelo menos paisagens mais deslumbrantes. A viagem entre a Guarda e Viseu, que pelos caminhos da Ascendi demora 45 minutos em velocidades legais, demorou cerca duas horas entre estradas estreitas, hesitações de caminho e perseguições a tractores. Tudo isto, claro, num percurso que tem por agora muito pouco movimento. Estou desejoso para repetir a viagem quando os condutores que quiserem evitar as portagens começarem a frequentar este território. Talvez faça isso num fim-de-semana prolongado.
No início da viagem, a primeira hesitação. Sei que preciso de chegar (ou passar) ao Porto da Carne ou, pelo menos, ao percurso do antigo IP5 para me dirigir a Celorico, primeiro ponto médio assinalado no mapa. Para quem não vive na Guarda a tarefa mostra-se difícil. A pergunta “faz favor, sabe-me dizer como se vai para o Porto da Carne sem ir pela A25” foi respondida de duas formas bem diversas. Um encolher de ombros que significava “não faço ideia” e um “oh chefe, isso agora…” que me pareceu querer dizer “estás tão longe desse caminho como eu de uma banheira de água quente”.
Pelo mapa das estradas é impossível perceber como se sai da Guarda para o Porto da Carne. Seguindo o instinto e um vago sentido de orientação, saí da Guarda como se fosse para a A25 e na última rotunda dirigi-me à saída para o Alvendre. Após passar pela localidade, por grande acaso, deparo com a ligação ao IP5.
Para já, por pura sorte, estava no caminho certo. IP5 até Celorico, certo? Errado. O antigo trajecto do IP5 é abalroado pela auto-estrada. Nessa altura, surge uma rotunda com várias saídas. Opções? A25 sentido Espanha, A25 sentido Aveiro, Aldeia Rica, Açores e Lajeosa do Mondego. Muito bem. Qual destas me levará a Celorico? Paro no meio da rotunda, abro o mapa. Não obtenho resposta, a escala é demasiado pequena. Espero que apareça alguém. Felicidade, surge um táxi. Leva um cliente para a estrada que vai até Celorico. É só seguir atrás dele e depois seguir em frente. Atrás do taxista, começo a pensar como um. Quem devia fazer este caminho todos os dias era quem se lembrou de construir uma estrada em cima da que já havia e dizer-nos que haveria sempre de ser gratuita. Lembrado a bom tempo, teria sido construir a auto-estrada ao lado do IP5. A boa pagava-se, a razoável ficava como estava. Mas quem falou nisso na altura foram os reaccionários do costume, os paladinos contra o progresso, as mentes pouco visionárias e nada ambiciosas. Fosse eu da administração da Ascendi e tinha feito o percurso Lajeosa – Celorico com um largo sorriso nos lábios. Como não sou, desejei que quem nos lixou desta maneira tivesse de fazer esta estrada todos os dias num Fiat 127.
À entrada de Celorico, outra rotunda. Celorico Gare, Celorico, entradas na A25 e Gouveia, pela N17. Sabia que a estrada que me levaria a Fornos de Algodres (segundo ponto intermédio de referência) seria a Nacional 16, mas não a encontro. Algumas voltas e nada indica N16. Vejo o mapa. Na Nacional 17, em direcção a Gouveia e Coimbra, vejo uma ligação a Fornos de Algodres. Seja. Volta maior, mas o que me importa é o destino, não o caminho. A N17 é uma estradinha simpática e irrelevante para este artigo, porque a verdadeira alternativa entre Celorico e Fornos de Algodres é a N16. Apesar de ter duvidado da sua existência, o mapa indica-a e à entrada em Fornos de Algodres há uma placa que diz “Celorico – N16”. Mas em Celorico, o caminho para Fornos de Algodres é como a Maçonaria. Toda a gente sabe que existe, mas não é fácil de encontrar. Quando começava a temer que tinha sonhado com uma ligação da N17 a Fornos de Algodres, já depois de passar a Carrapichana, surgia, finalmente o desvio para Fornos. Foi por esta altura que percebi que Camões abre os Lusíadas com a Taprobana e aqui este ciclo se fecha com a Carrapichana. É por isso que Camões era um poeta de lirismo e eu apenas um cronista do delirismo.
Em Fornos de Algodres, nova rotunda. Opções? Os dois sentidos da A25, farmácia, bombeiros, escolas e outras utilidades. E para Viseu, senhores? Ou Mangualde, o terceiro ponto intermédio? Nada feito. Uma volta por Fornos de Algodres e segundo encontro feliz com um taxista. “Como é que se vai para Mangualde sem passar pela A25?”, pergunto. Simpático e condescendente, como se fosse o novo ministro das Finanças e eu um mero catedrático de Finanças, explicou-me pausada e detalhadamente, não fosse eu perder-me com a profusão de informação, que teria de prosseguir pela estrada onde já estava, “sempre em frente”. Depois de apontar cuidadosamente as indicações de seguir sempre em frente, percorro finalmente a Nacional 16, uma óptima estrada para o Rali de Portugal. Espero no entanto que esta sugestão nunca seja seguida, caso contrário teríamos de optar entre pagar as portagens da Ascendi ou ser abalroado por um finlandês apressado.
Chegada a Mangualde. Falta pouco, Viseu é mesmo aqui ao lado. Pela N16 entra-se na cidade já perdido. Nenhuma indicação a não ser a da praia artificial. Hesito. Vou ao mar com nuvens do Havai ou tento encontrar a saída? Escolhi a segunda, mas estou certo que demoraria menos tempo a dar dois mergulhos na água salgada. Atravesso o centro de Mangualde e decido sair na direcção da A25 (a outra alternativa visível era Nelas). Outra rotunda, com saídas para a A25, Penalva do Castelo e outra vez Mangualde. Obviamente, voltar para trás. Na estrada em direcção a Nelas, em frente à fábrica da PSA, está uma saída sem indicação de estrada. Indica uma localidade próxima, mas não a estrada. Dissesse N16, eu saberia que estava no caminho certo.
Arrisco e adivinho. Passar por Fagilde traz-me a segurança que Viseu está mesmo ali ao lado. Já falta pouco e ainda não está de noite. Para ir à praia (a verdadeira, a que fica junto ao mar) há duas alternativas. Pagar portagens ou pagar quarto numa pensão.
Para terminar, uma vez que os pórticos estão todos instalados e já falta tão pouco para se começar a pagar, será que sobra algum tempo para pôr placas de orientação nas estradas alternativas? Agora entendo porque chamam a estas estradas alternativas. Não é que constituam verdadeiras opções, é porque têm tão mau aspecto como a malta que se diz “alternativa”.
Por: Nuno Amaral Jerónimo