Ler as eleições e os seus resultados é uma tarefa em que se interpretam os números, as palavras, os sinais. E estes ultrapassam o âmbito das percentagens, dos cartazes, das caras e dos discursos.
Se me perguntarem a razão principal dos resultados que derrotaram os socialistas da Guarda, não será difícil apontar como razão principal o clima de desunião que se instalou no PS desde a eleição interna para o candidato autárquico em dezembro de 2012. Esse clima foi evoluindo ao longo de 2013 num crescendo de conflitualidade e bipolarização entre militantes apoiantes do vencedor e do derrotado, de cada lado da barricada. À medida que a eleição se aproximava quem ganhava era a candidatura PSD, que não precisou de fazer muito para conquistar a vitória. Creio mesmo que lhe caiu nos braços de madura. O último episódio da divisão, a impugnação das listas de “A Guarda Primeiro”, foi deixando apelos desencontrados dos derrotados nas redes sociais e cavou o último metro de sepultura do PS. Creio mesmo que, no meio da derrota, uma boa parte dos socialistas e dos independentes ex-socialistas estará apesar de tudo satisfeita com a derrota da fação interna adversária, cada uma, no entanto, sabendo que não conseguiu convencer o eleitorado da sua razão, uma vencida pelos factos, outra pelos votos. O PSD apareceu afinal como marca de estabilidade e sentido positivo.
Qualquer análise é abusiva se quisermos aplicar à fotografia uma única legenda definitiva mas é um facto que o desgaste que os discursos têm sublinhado sobre o poder socialista da Guarda é muito fácil de ser reconhecido após os resultados. Um presidente pode ser competente e dar pouco nas vistas, mas se há coisa que falhou nestes 4 anos foi a comunicação para o público de que a gestão Valente tinha um caminho, era eficaz e estava a alavancar a Guarda. E realmente a imagem era esta: um presidente menos protagonista, sem marcas especiais de mandato; ausência de obras de vulto a não ser as intermináveis obras dos arruamentos que esventraram a cidade no último ano e meio e irritaram sobremaneira os guardenses da central de camionagem para baixo; a incapacidade de contrariar o declínio das empresas municipais e da sua reformulação; um candidato do partido (Igreja) de certo modo amarrado aos mandatos anteriores (candidatou Valente à AM) sem os poder contestar apesar de ter optado pela renovação das caras. Contradição? Da ideia de estabilidade à ideia de imobilismo pode ter ido um passo, que os socialistas não souberam contrariar até pelo temperamento mais conciliador que dramatizador do candidato.
Uma outra ideia que sobressai é que o eleitorado concedeu a vitória a um presidente (Amaro) a quem reconheceu provas dadas (e cujo vice manteve Gouveia). Como se reconhecesse a primazia a quem já tivesse feito o estágio no poder nos últimos anos: “Vamos dar o poder a alguém que já tem experiência dele e que não saiu escorraçado do seu lugar”. O exercício da notoriedade do líder funcionou (apesar da pouca fotogenia do candidato – referem as mulheres – e a inexperiência política do resto da lista). Não chega dizer que a campanha de Amaro foi mais “profissional”. Em quê? Nada de inovador, a adesão foi maior aos comícios só nas últimas semanas e algumas ações também dececionaram. E o que teria sido a votação com as três listas? Creio mesmo que o destino estaria traçado: as duas listas oriundas do espaço socialista (Rodrigues contava pouco, afinal) iriam comendo espaço uma à outra nas semanas finais de campanha afirmando-se Amaro como garante da estabilidade. E o eleitorado preferiu, numa disputa a dois, arriscar pelo mais seguro.
A tese de que a impugnação do movimento “A Guarda Primeiro” pode ter inclinado os resultados para Amaro ganha assim consistência, pela progressiva desvalorização da lista socialista após esse momento. Mas o resultado não apaga todo o processo que envolveu a criação daquele movimento: a “traição” verificada (na linguagem da máquina socialista) é facilmente traduzível para o cidadão comum em silêncios e dissimulações, jogos de bastidores, conversas que mais valia terem ficado gravadas, frustrações mal curadas, alianças oportunistas com adversários, apagamento do passado de algumas figuras, eminências pardas na retaguarda. Alguns dirão que tudo é permitido na política se o objetivo for superior. Não sou dos que pensam assim.
(Declaração de interesses: sou irmão do candidato PS à Câmara da Guarda, José Igreja, que apoiei nesta eleição)
Por: Joaquim Igreja