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Gostar de ti

Bilhete Postal

A ti que me denuncias no escuro, que me atacas por ser menor, que me provocas por saberes que não respondo, que me atormentas por não teres outro a quem o fazer, que te revelas na maldade de me perseguir, que és gente na tragédia de ser má, que me vigias com a inversa do que te exiges, que me contas a hora na inversa das que cumpres, que te lamentas de cada gesto produtivo, que me injustiças no mérito do que faço, que me diminuis em cada acto, me apoucas o trabalho, hiper-valorizas sempre o teu, mesmo se não for nenhum, que não chegas a horas mas olhas para mim, não usas regras mas impões-me tantas. A ti que não tens decoro nem urbanidade, nem requinte, nem subtileza. Tu que és uma avara, uma mesquinha e uma demenciada, olho-te com tristeza. Sei que és tudo isso pela infelicidade de te olhares de manhã e não seres nada, e não encheres nunca o espelho com a imagem que tens de ti. O vazio de querer ser outra estampa-se no olhar amargo, que não alcança mais que a imagem própria, que sabemos ser oca e fria. Há um frio profundo na amargura. Há um azedo contaminante na solidão dos narcisos. A verdade é que gostavas de ser muito e o corpo não dá. Gostavas de ser brilhante e ninguém te reconhece assim.

A solução deste azedume é o mister de ter menos desejos, o mister de descobrir na vida um caminho menos contundente, a busca do melhor dos outros e a partilha dos saberes e dos prazeres. Um destino só para quem se curtiu em calor culto, em forno de sabedoria. É por isso que não te gostamos Ana e amamos o Luís.

Por: Diogo Cabrita

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