Arquivo

Good-bay * Sampaio!

« Na linha do politicamente correcto, conseguia vestir o fato pela frente e pelo avesso e sair entre aplausos, com o país a assistir incrédulo, à sua incapacidade de ter ideias concretas e atitudes condizentes (…) Nem apoiou claramente quem devia. Nem enfrentou quem merecia. Por vezes grosseiro, por vezes choraminga, não foi mais do que um peixe de águas turvas a esconder a sua fragilidade e a sua incoerência»

Sampaio parte e, por mim, já vai tarde e não deixa saudades. Foram dez anos perdidos para Portugal, nas mãos de um Presidente também perdido, entre a sua arrogância e a sua vã tentativa de ser neutral.

Os seus dois mandatos ficam marcados pela inevitável dissolução do Parlamento, após a demissão de António Guterres, mas sobretudo, pelo (inteligente) jogo de estratégia com que aprisionou Santana Lopes e o derrubou – juntamente com Ferro Rodrigues. Estratégia 2 em 1 que levou José Sócrates e o PS ao Governo. Bingo!

Para além deste “golpe de estado” – e de algumas pontas soltas com interesse – deixa apenas de herança uma mão cheia de discursos que ninguém entendeu, mas que tiveram condão assaz estranho, de conseguir agradar a gregos e a troianos. Ou seja, quer o Governo quer a Oposição estavam sempre de acordo, pois cada um fazia a leitura que mais lhes agradava da prolixa e facúndia prosa de Sampaio. Um espanto. Na linha do politicamente correcto, conseguia vestir o fato pela frente e pelo avesso e sair entre aplausos, com o país a assistir incrédulo, à sua incapacidade de ter ideias concretas e atitudes condizentes.

Enquanto se passeava em “Presidências Abertas” – que as televisões teimavam em arrojar para o fundo dos blocos informativos, tal era a importância que lhe davam – Portugal assistia ao descalabro de sectores vitais para a sua modernidade e para o seu futuro. A economia degradou-se, a saúde tornou-se decadente, o ensino caiu num desnorteio preocupante, os poderes militares – de que era Chefe Maior – viram-se envolvidos em polémicas internas e da justiça nem é bom falar (veja-se o caso “Casa Pia” em que seu próprio nome se viu imiscuído). A tudo isto, Sampaio respondeu com verbosidade balofa e inconsequente. Refugiado no seu palácio cor-de-rosa, no meio dos seus assessores e amigos, foi incapaz de ser uma força revigorante na política portuguesa. Nem apoiou claramente quem devia. Nem enfrentou quem merecia. Por vezes grosseiro, por vezes choraminga, não foi mais que um peixe de águas turvas a esconder a sua fragilidade e a sua incoerência. Andou a dar aspirinas enquanto o país sofria, em lista de espera, por uma intervenção cirúrgica urgente.

Estabilidade não pode ser sinónimo de paz podre. A um Presidente da República não se pede que seja constantemente neutral, mas sim que, dentro do seu magistério de influência, assuma as posições que considere mais correctas. Que dê apoio inequívoco a mudanças estruturais e que se oponha sem temor a tudo o que entrave linhas estratégicas para o fortalecimento do país. Pede-se que levante dúvidas. Que questione os poderes e a sociedade em geral. Que tenha personalidade, ideias claras, capacidade de motivar, energia mobilizadora, coragem política e capacidade de intervenção. Sampaio não teve estas qualidades e por isso fragilizou o estatuto presidencial. Talvez por isso as candidaturas às últimas eleições presidenciais fossem tão fracas – realmente, para este tipo de actuação, não é preciso grande curriculum. Espera-se de Cavaco Silva uma outra postura

* Digo good-bay e não “adeus”, em honra ao cariz cosmopolita de Sampaio, que discursava em francês para defender a língua portuguesa e dava fluentes entrevistas em inglês contribuindo… decisivamente para a imagem de um Portugal moderno.

Por: João Morgado

Sobre o autor

Leave a Reply