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Golpes, traições, faca na liga, cutelo nas costas

Agora Digo Eu

A História universal é rica em golpes, traições e facada nas costas.

Lembram-se seguramente como Estaline se livrou de Trotsky. Salazar de Humberto Delgado. Franco de Frederico Garcia Lorca. Pois bem, as revoluções têm destas coisas. Os partidos políticos também.

Os jacobinos, nesta matéria, têm currículo que chegue. Marat foi morto pela criada, militante girondina. Danton, meses mais tarde, faz o célebre discurso do cadafalso, dizendo a Robespierre «és o próximo. Tu segues-me». E assim foi.

Aliás, Danton, político lúcido, sempre tratou certos defensores do poder como «charlatões ambiciosos» e «seita que permanecerá sempre abaixo dos direitos do povo» para afirmar que muitos deles não passam de adeptos do tacho, o que os obriga a ser submissos e completamente limitados. Orwell explica isso muito bem. Danton foi guilhotinado mas os seus ensinamentos permanecem atualizadíssimos, num processo de golpes, contragolpes onde apenas alguns, conservam a lucidez necessária, coerência e paz de espírito, admitindo mesmo que a cultura política se baseia na espera do lugar na lista, na migalha deixada cair pelo poder a séquitos e bobos ávidos de mordomias e mando.

O cheiro a poder arrasa consciências, pouco lhes importando o como ou o porquê, esquecendo-se ou não tendo a mínima noção do que é a capacidade de dirigir, assim como a origem (quase divina, segundo Santo Agostinho), a legitimidade (legítimo detentor), a função (poder e separação de poderes), organização (sistema de governo), finalidade e âmbito (prossecução de determinado fim) e, por último, obediência e resistência (dever de obedecer a ordens legítimas, resistindo às ilegítimas).

Antístenes foi fundador da Escola Cínica e muitos cínicos fizeram questão de se inscrever no ensino ministrado por este discípulo menor: uns opinando, outros fazendo de pretensos educadores, outros calados como ratos, numa espera calculada no tempo, que visa um único objetivo, pouco se importando que o mestre defina conceitos, cultive a devoção pela virtude ou estabeleça que a moral encontre o seu fundamento na razão. Recordam-se com certeza daquele episódio em que, pela melhor demonstração de afeto (um beijo), o discípulo traiu o mestre ou ainda aquele outro onde o mestre traça o destino do candidato, acusando-a de traição, obrigando Polícrates a fazer a acusação: morrer por ingestão de cicuta.

Aristóteles tinha razão quando definia a política como «uma espécie de saber de que nem a sensibilidade nem a imaginação podem estar ausentes, embora a prioridade seja atribuída à racionalização tecnológica e à reflexão crítica».

Neste processo complexo, esquisito, de visível falta de respeito, onde alguns ideólogos escondidos (tipo gato escondido com rabo de fora) mantêm o necessário grau de afirmação, Demócrito ria, porque todas as coisas humanas lhe pareciam ignorância. Heráclito chorava, porque todas lhe pareciam misérias. Grande razão tinha Heráclito de chorar e Demócrito de rir porque, segundo o padre António Vieira, «neste mundo há muitas misérias que não são ignorâncias e não há ignorância que não seja miséria».

E a lista, as listas, foram constituídas assim:

Golpes palacianos, traições, faca na liga e cutelo nas costas.

Por: Albino Bárbara

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