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Golpe de estrado

Observatório de Ornitorrincos

Metade do país está em choque por Santana ter ascendido a primeiro-ministro. A outra metade saiu à rua de bandeira na mão para festejar o afastamento de Ana Gomes da política nacional. Não vejo no entanto motivos para tão grande alarido nem de uma parte nem de outra. Santana Lopes vai liderar o executivo? Não é nenhuma calamidade histórica. Portugal já foi governado por homens que usavam peruca e collants em situações de alto protocolo. Por outro lado, é verdade que Portugal deu no que deu. Ana Gomes vai embora? Calma. Não é de espantar que se junte a um bando de guerrilheiros chiques (com camuflados de griffe) do Bloco de Esquerda e reapareça daqui a uns meses como a Subcomandante Marcas – com a diferença óbvia do guerrilheiro mexicano dispor de um exército de homens armados e a versão nacional-feminina de Errico Malatesta contar apenas com um bando de homens arrumados.

Alguma esquerda perdeu o verniz e partiu a Louçã toda. Agora juram que a democracia morreu na semana passada, quando Sampaio decidiu ao contrário da vontade dos meninos. Nomeadamente a esquerda que já estava nos Blocos de partida pronta para desatar a correr atrás de um ministério qualquer. Afinal cancelaram a prova e vão ter de ficar mais uns anos a ver os campeonatos da bancada. Aparentemente, o Presidente da República só toma decisões democráticas quando decide de acordo com a esquerda da birra. Caso contrário, não se brinca mais aos políticos e insulta-se toda a gente que passa. Resta-lhes continuar a convocar manifs “espontâneas” por sms.

A direita ficou contente – é fácil contentar os meninos ladinos e bem penteadinhos – sem perceber que de facto acabou de estraçalhar os dentes no cimento e lhe vão ficar a doer os maxilares durante bastante tempo, mesmo que este pastelinho de Belém lhes saiba a ginjas. A esquerda já não sai de Belém até 2016 e, o mais tardar até 2010, S. Bento será uma academia socrática ou um mosteiro vitoriano por muitos e bons anos.

À hora que escrevo este texto desconheço as personalidades que integrarão o Governo. Posso no entanto garantir aos leitores que, apesar dos meus hábitos noctívagos serem públicos, não vou aceitar nenhum convite para ministro, ainda que se propusessem descentralizar o Ministério das Noites em Branco (que se prevê uma pasta central) para a minha sala de estar. Até porque não me parece correcto misturar prazer com divertimento.

Na sua primeira ideia sobre a governação, Santana Lopes pareceu-me pouco ambicioso. Ministério do Turismo em Faro? Ministério da Agricultura em Santarém? E porque não os Negócios Estrangeiros em Londres? Ou a Cultura em Paris? Portugal foi durante tanto tempo um protectorado político da Inglaterra e uma colónia cultural da França que não vejo razões sérias para mudar agora.

EU VI UM ORNITORRINCO

Boaventura Sousa Santos

Ornitorrinco da pós-modernidade. Tem garras afiadas contra o capitalismo e a globalização e tem ângulo de vista apertado, com estrabismo grave que desvia o olhar totalmente para um dos lados. Tem tendência para estabelecer relações de causalidade entre dois acontecimentos tão diferentes como o lançamento do novo disco da Madonna e a contratação de Trappatoni pelo Benfica e considerar ambos como mais uma prova que a democracia em Portugal nunca prestou um bom serviço aos cidadãos. Tem, como o Comendador Pacheco de que falava Fradique Mendes, uma grande testa, o que significa claramente ser possuidor de uma rara e superior inteligência.

Por: Nuno Amaral Jerónimo

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