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Gartêxtil esteve sempre ilegal

Cabral Marques ainda não pagou aquisição porque empresa nunca teve licença de utilização

A história da antiga fábrica de confecções da Guarda-Gare, declarada insolvente pelo tribunal há um ano e leiloada em Outubro passado, ainda não chegou ao fim. O empresário Antero Cabral Marques licitou a Gartêxtil por 1,6 milhões de euros. Entretanto, ainda não pagou, nem fez a escritura. Tudo porque a conhecida empresa de confecções nunca teve licença de utilização e, por isso, não pode ser escriturada.

Depois de quase 20 anos a laborar, a Gartêxtil fechou portas em Maio de 2002. Três anos depois foi declarada falida. Em Outubro passado foi a leilão. Antero Cabral Marques surpreendeu então os demais licitadores pela forma rápida como “ofereceu” mais de 320 mil contos por todo o património da empresa. Em menos de cinco minutos terminava o mais badalado leilão realizado na Guarda nos últimos anos. Antero Cabral Marques adquiriu um terreno com cerca de 8.500 metros quadrados, avaliado em 1,5 milhões de euros. Mas também equipamento e maquinaria de confecção diversa, bem como tecidos, acessórios, peças de vestuário, mobiliário de escritório e cinco viaturas, cujo valor foi estimado em 150 mil euros. Bens que formavam um único lote levado à praça por 1,650 milhões de euros – 10 mil euros a mais bastaram para arrematar tudo.

A surpresa para o empresário da Guarda chegou mais tarde. Quando previa realizar a escritura e o pagamento para concluir a aquisição, leiloeira e comprador depararam-se com algo sui generis: a Gartêxtil nunca teve licença de utilização, ou seja, trabalhou ilegalmente durante duas décadas. Sem licença de utilização, o notário não pode realizar a escritura. Segundo Cabral Marques, «a leiloeira está a resolver o assunto e só depois poderemos pagar o que falta» e realizar a escritura. Em relação à situação bizarra que encontrou, de uma empresa estar «em pleno funcionamento» durante 20 anos sem estar legalizada, prefere não fazer muitos comentários, mas, entre risos, sempre vai dizendo que «para a Câmara não havia fábrica».

Quanto ao futuro do complexo industrial fundado na órbita do grupo Germano Morais, Antero Cabral Marques considera prematuro falar do assunto, «até porque ainda não tenho a escritura», mas, em principio, «é para vender, se não vender já se verá». O empresário não põe de parte a possibilidade de fazer obras e alterar alguns aspectos da estrutura para melhor poder negociar as instalações «em venda ou para arrendar». Pelo meio, já recebeu algumas propostas ou intenções de negociação, nomeadamente de grandes superfícies comerciais, como as conhecidas “E.Leclerc”, “De Borla” ou os supermercados “Minipreço”, mas «nada em concreto», concluiu.

Se para outros interessados na aquisição em leilão, que tinham esperança que a fábrica fosse vendida por partes e assim poderiam licitar alguma coisa por pouco dinheiro, foi a desilusão, para os credores, e em especial os trabalhadores, foi uma excelente notícia. De facto, desta forma estava praticamente assegurado que haveria dinheiro para pagar as indemnizações aos antigos funcionários. No entanto, segundo António Ferreira, advogado dos trabalhadores, estes ainda não foram indemnizados porque «não há sentença de graduação de créditos», além de que «ainda não está decidida a impugnação da Caixa Geral de Depósitos».

Em relação à falta de licença de utilização que impede a realização da escritura e o respectivo pagamento por Cabral Marques, António Ferreira não faz comentários, embora admita que «poderá vir a atrasar, ainda mais, o pagamento das indemnizações, mas não é por isso que ainda não foram pagas», assevera.

À espera da expropriação

Por outro lado, os terrenos que estão por detrás da Gartêxtil, na ligação da Viceg ao IP5, e que também são propriedade de Antero Cabral Marques, continuam a fazer parte da zona de intervenção Polis. No entanto, e pelo menos para já, ainda não foi implementada qualquer obra nesses terrenos. A PolisGuarda pretendia mudar a imagem de toda aquela zona, nomeadamente dos terrenos entre as instalações da RBI e as traseiras do “Pingo Doce”, mas, segundo o proprietário, não existe qualquer negociação. «Estou à espera que façam uma proposta séria», afirma Cabral Marques, para quem o Plano de Pormenor daquela zona está errado, pois «a construção de habitação que prevê não é rentável». Assim, o empresário não se mostra interessado em avançar com um loteamento para a zona. Sobre a eventualidade dos terrenos serem expropriados no âmbito do Polis, Cabral Marques diz que isso «é uma ameaça de que muita gente fala», mas não conhece nenhum processo nesse sentido. Mais, afirma que «não se atrevem a expropriar, só pedem, mas eu compro e vendo, não posso oferecer». Já o facto da intervenção Polis não avançar com mais nenhuma obra, pelo menos no actual contexto, deixa o empresário triste, porque «falam muito, mas depois é o que se vê, não avança nada».

Luís Baptista-Martins

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