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Funcionários judiciais anunciam greves após “crash” do sistema judicial

Advogados pedem a suspensão dos prazos processuais e magistrados queixam-se de não poder trabalhar

Além da greve nacional agendada para 26 de setembro, os funcionários judiciais vão paralisar na Comarca da Guarda no dia 14 de outubro. Na Comarca de Castelo Branco esta ação de protesto acontece seis dias antes, a 8 de outubro.

Numa altura em que o sistema judicial está paralisado por todo o país, o presidente do Sindicato dos Funcionários Judiciais diz que é «necessário dizer basta» na greve nacional e nas paralisações diárias em cada uma das novas comarcas da reorganização judiciária. Fernando Jorge garante que os funcionários dos tribunais estão «desejosos de demonstrar a sua indignação e insatisfação» e diz ser «urgente que o Ministério da Justiça contrate mais funcionários judiciais e resolva as questões da aposentação e o acesso às categorias de chefia». A iniciativa que consiste num dia de paralisação em cada uma das 23 comarcas da reorganização judiciária arranca a 1 de outubro. Entretanto, a Ordem dos Advogados quer que o Governo aprove uma lei a suspender os prazos processuais até os tribunais voltarem a funcionar normalmente. A bastonária Elina Fraga pede mesmo a intervenção do Presidente da República e avisa que há processos em risco de prescrever e presos a sair em liberdade por causa da paralisação do sistema judicial.

Num comunicado enviado na passada segunda-feira aos membros da Ordem, Elina Fraga lembra que «a migração dos processos (físicos e eletrónicos) sem a respetiva redistribuição (muitos encontra-se ainda em caixotes) e a ausência de distribuição de novos processos determinam que muitos desses processos se encontrem paralisados, continuando a correr os prazos de prescrição». Essa prescrição, sublinha, pode «ocorrer em muitos processos-crime, de contra-ordenação e outros, tanto mais que não há qualquer magistrado a controlar ou a fiscalizar tais prazos». Por outro lado, a bastonária alerta ainda que «por falta da prática de atos de magistrados e/ou funcionários judiciais, existe a possibilidade séria de saída em liberdade de arguidos nos processos em que estes se encontrem detidos ou presos preventivamente, podendo colocar-se em perigo a comunidade».

Uma semana depois da entrada em vigor do novo Mapa Judiciário, a Ordem dos Advogados elenca um conjunto de problemas que diz existirem nos vários tribunais. Desaparecimento eletrónico de vários processos, de apensos aos processos principais, carregamento errado dos mandatários dos processos, troca de testemunhas entre processos do mesmo mandatário ou de mandatários distintos ou identificação errada das partes. Estas são algumas das «ineficiências graves» detetadas, a que se juntam a «impossibilidade ou extrema dificuldade na entrega eletrónica de peças processuais e quaisquer requerimentos». O problema está sobretudo na plataforma informática da Justiça (CITIUS e HABILUS). Não é, no entanto, o único. Desde a entrada em vigor do novo mapa judiciário «que se multiplicam dos casos de impossibilidade de realização de diligências judiciais previamente marcadas e consequente adiamento, na maioria dos casos, “sine die”», escreve a bastonária.

Além dos problemas informáticos, verifica-se, muitas vezes em relação aos processos em papel, «a impossibilidade de localização», devido à «transferência tardia, do elevado número de processos, da sua deficiente classificação e do número manifestamente insuficiente de funcionários judiciais». Na passada sexta-feira, o Grupo de Trabalho para a Implementação da Reforma da Organização Judiciária emitiu um comunicado em que afirma que «o reinício faseado do funcionamento do novo sistema ocorrerá a partir do início da segunda quinzena de setembro». Até lá, a recomendação é que, «até à estabilização do sistema», os atos processuais sejam «praticados pelos meios alternativos legalmente previstos». Além disso, «os atos praticados após 1 de setembro inclusive deverão ser salvaguardados em suporte autónomo, assegurando a sua inserção no sistema».

Juízes falam em «paralisação do sistema»

A Associação Sindical dos Juízes Portugueses (ASJP) diz que a situação é «muito preocupante» e de «paralisação do sistema» e que é urgente saber quando é que o sistema fica de novo a funcionar.

O presidente da ASJP, José Mouraz Lopes, em declarações ao “Jornal de Negócios”, sublinha que, neste momento, está em causa o «exercício de direitos» por parte dos cidadãos. «No cível não se pode fazer nada, no crime as audiências são todas gravadas e o sistema não o permite», exemplifica o magistrado num balanço da primeira semana depois da entrada em vigor do novo mapa judiciário. Na passada segunda-feira, a ASJP emitiu um comunicado em que sublinha que «é urgente saber qual a data em que a plataforma Citius estará disponível para o funcionamento dos tribunais e assegurar que não se perca qualquer informação armazenada no sistema». Quanto a uma possível suspensão dos prazos processuais, que os tribunais não estão a conseguir cumprir, a associação de magistrados sustenta que «não devem ser evitadas soluções legislativas excecionais, como a suspensão dos prazos processuais, a validação da prática de atos processuais em plataforma não digital, ou mesmo a dilação da vigência de alguns aspetos não essenciais desta reforma». Os juízes pedem ainda que se faça uma «avaliação global da reforma», através da criação de «um mecanismo institucional, isento e imparcial, de acompanhamento e monitorização da reorganização do mapa judiciário».

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