1. A GlaxoSmithKline, empresa que forneceu as milhões de vacinas contra a gripe A (H1N1) que o Estado português acaba de adquirir, não dorme em serviço. Cada embalagem contem 10 doses. Logo que aberta, essas unidades têm que ser ministradas na totalidade e num curto espaço de tempo, pois não há forma de serem conservadas. Imagina-se o desperdício que isto não vai causar, Já para não falar nos possíveis efeitos secundários, ainda não desmentidos de forma cabal pela comunidade científica. Entretanto, a comunicação social lá vai fazendo pela vida, criando um clima pré-apocalíptico na melhor tradição milenarista.
2. Os eleitores do Estado do Maine, nos EUA, acabam de chumbar uma proposta legislativa que permitiria o casamento entre pessoas do mesmo género. Tornando-se assim o 31º onde propostas semelhantes foram rejeitadas por consulta popular. Recorde-se, ainda assim, que este Estado é conhecido pelas suas tradições liberais. E que agora revelou um grande bom senso, apesar de uma forte campanha dos lobbies do “sim”. Eis uma demonstração simples e clara de soberania popular. Que os nossos esquerdistas iluminados têm enorme dificuldade em aceitar. No entanto, sabe-se que o casamento homossexual está entre as prioridades deste Governo. Apesar de termos sido ultrapassados pela Eslováquia no ranking da UE, da corrupção galopante e de o desemprego aumentar ao ritmo que se conhece. Portanto, adivinha-se uma votação à socapa na AR, com os deputados do “sim” de polegar para cima e muitos comunistas, ao arrepio da viril tradição estalinista, sentindo que estão a engolir um sapo vivo. Para satisfação da restauração dedicada ao segmento “festas, casamentos e baptizados”. Mesmo assim, para mim o assunto tem um interesse limitado. Seria muito mais interessante discutir o casamento poligâmico (o que faz todo o sentido num país com um território em grande parte islamizado durante 400 anos e que resolveria a célebre equação binária do cantor Marco Paulo), ou a produção, venda e consumo de drogas leves, sem restrições. Isso sim, temas apelativos.
3. As efemérides, embora sejam associadas à evocação cerimonial de um acontecimento passado, também designam tábuas astronómicas que indicam, dia a dia, a posição dos planetas no zodíaco. Confuso? Não. Há casos onde aquilo que não se pode mudar co-habita na mesma palavra com o que muda permanentemente. Como aqui. Onde uma palavra raramente tenha um sentido tão abrangente como quando se aplica aos acontecimentos que levaram à queda do Muro de Berlim. Nessa noite de 8 para 9 de Dezembro de 1989, encontrava-me em Estrasburgo. De visita ao Parlamento Europeu, na qualidade de dirigente estudantil. Soube o que se estava a passar através da TV. Percebi imediatamente que o “socialismo real” tinha perdido a guerra e que a Europa voltaria a ser uma unidade política. Há duas semanas passou um excelente documentário na RTP 2 sobre a história do Muro. Duas imagens a reter: 1º o efeito em cadeia da visita de Gorbatchev à RDA, convidado de honra do 40º aniversário da fundação do país. Porém, na tribuna era aplaudido por dezenas de milhar de manifestantes, que desfilavam e gritavam por Gorbi, ignorando os dirigentes comunistas alemães. 2º o discurso de Honnecker, nessas cerimónias oficiais, num edifício rodeado por uma maré humana que clamava por liberdade, mas onde aquele afirmava convictamente que “o socialismo na pátria de Marx e Engels estava assente em bases indestrutíveis”… Ocorreu-me também que, daqui a dez anos, o então secretário-geral do PCP prestar-se-á de bom grado ao mesmo papel, no seu bunker, rodeado por meia dúzia de indefectíveis…
4. É um erro pensar que os outros, alguns outros, não têm uma consciência. Que algo os impede de uma dissimulada contrição. Que não possam, ou não saibam, reconhecer as regras que precedem a secura de uma lei ou o peso da uma obrigação. Não é que essa ausência não se manifeste com frequência. Mas quem foge, não foge com a sua consciência. Simplesmente atrasou um encontro. Ou seja, o tal pêndulo, chamemos-lhe do ethos, que julgamos não encontrar, está sempre lá. A questão é que nem sempre se manifesta no local onde o esperaríamos.
Por: António Godinho Gil