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Florial

1. Paulo Vieira da Silva, empresário e ex-dirigente da Distrital do Porto do PSD, publicou um texto na sua página do Facebook, onde alegadamente denuncia o “modus operandi” através do qual Marco António Costa, Vice-Presidente do PSD e actual Secretário de Estado da Solidariedade e da Segurança Social, construiu a sua carreira política. O texto, disponível em http://on.fb.me/1b9Wyfv, caiu como uma bomba nas redes sociais. Até porque o seu autor diz ter enviado uma cópia do mesmo para o MP PJ e DCIAP, para averiguações. O artigo, intitulado “Marco António Costa, o “Alpinista” político, os “Seus Homens de Mão” e a sua “Rede”, é por demais elucidativo e dispensa aqui uma análise pormenorizada dos factos. Grosso modo, constitui a aparente explicação de como o modesto funcionário de Valongo amealhou no seu currículo cargos como Vice-Presidente da Câmara Municipal de VN de Gaia, Administrador da Empresa METRO do Porto, S.A., Vice-presidente do PSD, Presidente da CPD do PSD Porto, Deputado à Assembleia da República, da Bancada Parlamentar do PSD, para lá dos já referidos. Mas passemos às conclusões. Sempre achei que não é o tipo de ambições, em abstracto, o que revela um homem, mas as opções que se tomam quando se alcançam. Este criou a sua rede de influência, a sua coutada privada onde impera a imunidade e a vassalagem. Mais parece uma descrição de um rincão feudal do séc. XII, não é? Mas não, passa-se numa zona urbana no Portugal do século XXI. Uma mansão, um carro de alta cilindrada, uma boa rede de contactos, o exercício obsessivo de um poder ilimitado, ainda que circunscrito, um discurso cinzento e padronizado, igual ao de dezenas de “Marcos Antónios” que se acotovelam nos aparelhos partidários, nas autarquias, nos ministérios, nos directórios.

Detecta-se aqui um padrão: rapaz de origem humilde, empregado subalterno, ambicioso, sem escrúpulos, conhece partido político. A paixão nasce e intensifica-se. Vem o casamento, sob a égide de padrinhos influentes. Pouco depois, as inevitáveis escapadelas com empresas de construção civil. Entretanto, agitar bandeiras nas ruas e salões, ou despejar uns “soundbite”s pelo megafone, tornou-se coisa do passado. O dote vai engordando e chega o momento da barriguinha e do lugarzinho. A paixão esmorece e agiganta-se o cálculo. É preciso demonstrar que o rapaz tem talento. Quase como o Conde de Abranhos da Regeneração: dizendo “umas coisas”, erudição qb,, bajulação cirúrgica ou de arrasto, lembrar favores aos apaniguados e trocá-los com influentes, coleccionar sinecuras e medalhas… Ou seja, o talento é não dizer coisíssima nenhuma, aparecer nos recitativos, trabalhar no duro nos bastidores, criar a teia. Um dia, quem sabe, tantos favores vão-se pagar! E muitos outros hão-de criar outros tantos. Num Congresso, quem sabe, líder! Daí a PM é um salto. Espera lá, Marco quê? Moral da história: na III República, os partidos políticos continuam a ser o instrumento perfeito para a ascensão dos sociopatas.

2. Recentemente, fiz uma experiência. Pedi a vários “voluntários” que repetissem, alternadamente, “três tristes tigres” e “trinta e três tristes tigres”. O resultado desta amostra foi que a primeira sequência fonética foi mais penosa para os intervenientes do que a segunda. Ou seja, estatisticamente, parece ser mais difícil dizer “três tristes tigres” do que “trinta e três tristes tigres”. O assunto fez-me pensar. E ocorreu-me que, no caso, outra demonstração, digamos, inconspícua, ficou feita: a da virtude do balanço. O mesmo é dizer, a certeza de que, como já se sabe há muito no Oriente, tomar BALANÇO confere uma vantagem apreciável em qualquer movimento, decisão, ou despertar da consciência. E erra-se menos. Ou, como diria Beckett, cada vez melhor.

3. Em amena conversa, alguém me quis sublinhar a importância dos seus planos. E daí partir para o papel crucial que esses planos têm na arquitectura da existência. Impossível negar tal evidência. Mas o reconhecimento não afasta a suspeita de que isso não chega. Na juventude, é comum não se fazerem planos. Talvez porque se deu de barato que, algures na reserva inesgotável de tempo ao nosso dispor, eles se tornarão supérfluos e descartáveis. Mais tarde, esse desprendimento persiste sob a forma de recatado cepticismo. Mas é igualmente comum traçar-se muito cedo um plano. Com a confiança imparável de quem o olha como um instrumento do destino. A execução e os resultados desse plano são tão desiguais quanto surpreendentes. Dependem da forma como os seus tempos de espera são medidos, ou as atribulações o mantêm de pé. Seja como for, ele não deixa de ser o nosso plano, a morada exclusiva dos nossos sonhos. Porém, mais cedo ou mais tarde, é-nos dado perceber a dimensão e a natureza de tamanha empreitada. A sua fundamental contingência. E uma revelação ocorre. Não tanto que o plano só tenha existido para deixar de ser nosso. Ou que acaba por se diluir no caos desesperante do mundo. Mas, sobretudo, que o “nosso” plano, por fazer parte do plano desse mundo, não deixou nunca de ser um sonho partilhado. Um despojo comum reunido pelo acaso.

Por: António Godinho Gil

* O autor optou por escrever de acordo com a antiga ortografia

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