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FINCAPÉ

Aproxima-se o final de mais um ano lectivo.

Espero ter transportado o leitor na fascinante aventura da escola. Apresentei cenários diversos com diferentes protagonistas. Muito falei da escola e muito ficou por dizer.

É altura de fazer uma nova reflexão sobre os alunos com que lidei. Numa grande diversidade encontrei dois tipos que se demarcam cada vez mais. O “Certinho” e o “Rebelde” que, curiosamente, frequentam o mesmo ano de escolaridade. O “Certinho” tem uma idade adequada ao ano que frequenta. É um ser mediano, magro e usa óculos encavalitados em cima do nariz. É pontual e tem sempre bons resultados nos testes. Tem uma irmã mais velha que frequenta a Universidade e é o orgulho da família. Tem, por isso, a quem sair e já está mentalizado para conseguir boas notas. O “Rebelde” tem uma idade mais avançada. É alto, forte e não deixa de pensar no aspecto físico desde que frequenta o ginásio. A barba começa a despontar e acompanha com rapazes mais velhos. Exibe T-shirts de tom escuro com os seus grupos musicais favoritos. Surge, por vezes, ameaçadoramente na aula, procurando assustar os professores e mostra-se alheado de tudo o que se faz. O “Certinho” e o “Rebelde” conhecem-se, mas nunca tiveram nada a dizer um ao outro. O “Certinho” anda mais sozinho e atrasa-se à saída da aula, porque tem sempre dúvidas a esclarecer com o professor. O “Rebelde” anda sempre em grupo. Veste-se de modo semelhante aos restantes rapazes, fala alto e até manda bocas às raparigas. Atrever-me-ia a dizer que ele e o seu grupo procuram locais escondidos na escola para enrolar um charro ou curtir com uma delas. O “Certinho” nunca falta. O “Rebelde” atinge metade das faltas no primeiro mês de aulas. Quanto às notas, já se adivinha: o “Certinho” só tem quatros e cincos; o “Rebelde” tem muitos dois e espera sempre recuperar no último período, o que nem sempre acontece. O “Certinho” aceita o facto de andar a estudar, receia a violência e as conversas sexuais. Para o “Rebelde” a escola não faz grande sentido, já que não se ensina nada que ache útil ou se relacione com os seus interesses e até a única disciplina que lhe interessa (Educação Física) se tornou num tremendo martírio, porque o professor é muito exigente e está preocupado em ensinar as regras dos jogos. Anda na escola porque é obrigado, não tem paciência para estudar e desce as notas porque há professores peritos em descobrir cábulas ou a impedir falatórios durante os testes. Quando regressa a casa, o “Certinho” organiza os seus cadernos e faz os trabalhos de casa, acompanhando sempre as matérias. O “Rebelde”, por sua vez, nunca tem os cadernos em dia, porque raramente toma apontamentos e quando o faz não deixa de pedir a caneta emprestada a algum colega.

Há muitos “Certinhos” e “Rebeldes” nas nossas escolas e são cada vez mais nítidas as diferenças. Há alunos de todas as origens e professores para todos os gostos, mas parecem ter cada vez mais dificuldades em comunicar entre si.

Dizia-me recentemente um aluno: “Escuto os professores, compreendo as matérias, sei o que escrever nos testes, mas não sei o que aquilo quer dizer ou onde me pode levar”.

Apesar do notável esforço da maioria dos professores, a escola de hoje parece sofrer de um sentimento geral de frustração. Um relance geral diz que a máxima não é infelizmente “ eu quero aprender”, mas “eu sou obrigado a aprender”. Eu cá acrescentaria ainda: eu sou obrigado a aprender… o que não me agrada, o que não tenho vontade. A escola de hoje vive de um aparente sucesso (não estivéssemos todos a trabalhar para as estatísticas!). Aqui vai o grande desafio: basta ver as pautas de final de ano lectivo para verificar que existe um nível reduzido de reprovações. Os “Rebeldes”, afinal, até acabam por dar-se bem.

Longe vai o tempo em que os jovens com mais posses andavam no liceu e entravam para a Universidade, fazendo percursos brilhantes e aqueles com menos posses entravam para a Comercial ou Industrial e arranjavam emprego. Agora, raramente ficam pelo caminho e chegam ao 12º ano e… não sabem muito. Por isto e muito mais, a escola de hoje perdeu o seu sentido, porque o modelo que lhe serve de base não se coaduna com a realidade. No entanto, “Certinhos” e “Rebeldes” continuam, na sua maioria, lá (não fosse ela uma escola massificada) e se a deixassem seria o vazio.

por Carla Almeida *

* professora

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