A chuva batia nas janelas com toda a força. O vento sibilava o que pareciam ser gritos de morte.
O quarto despido de cortinas era iluminado por luzes de velas discretas.
Na cara a dor, mas nem um gemido, nem uma lágrima.
– Força Senhora, força. Está quase. É agora. Tem de fazer força só mais uma vez. Já vejo a cabeça, vamos…. Puxe…força.
E a Senhora cravou as unhas nos lençóis velhos que se rasgaram, mordeu os lábios até sangrarem e um choro estridente de criança encheu o silêncio daquela noite.
Cassilda agarrou-a cuidadosamente com as suas mãos muito negras, grandes e fortes, umas mãos que já não têm dedos para contar quantas crianças trouxe ao mundo.
– É linda Senhora. A bebé mais linda que já vi. É linda, linda, perfeita – dizia comovida enquanto estendia a criança para a mãe.
– Não a quero ver – gritava de olhos fechados a Senhora – Leva-a daqui. Leva-a e deita-a no rio.
– Mas… Senhora…
– Já te disse. Deita-a no rio. Não a quero. Fora.
Obediente saiu do quarto e encarou um homem alto, pálido e aflito.
– Senhor.
– Eu ouvi. – Disse secamente – Faz o que te disse, ela é que sabe, faz o que te mandou e o assunto morre aqui. Terás o teu dinheiro na mesma.
– Então deite-a o Senhor ao rio – disse Cassilda num tom zangado e desafiador enquanto lhe punha aquele corpo quente e minúsculo nos braços.
O homem gelado, nem pestanejava, olhava profundamente nos olhos daquela criança e deixou-se estar assim a decidir uma vida num minuto, até que muito baixinho e num tom envergonhado disse:
-Maria. Dá-lhe esse nome. Todos os meses receberás uma boa quantia para a criares.
Cassilda não pensou em nada. E sem se aperceber da sua boca ouviu-se dizer:
– Maria será.
O homem fez o sinal da cruz na cabeça da criança e virou costas para sempre. Agora a sós com a sua nova “filha”, Cassilda percebia porque é que naquele dia frio de Novembro, o céu chorava desesperadamente. E enquanto a embalava devagar, segredava-lhe entre lágrimas, ao ouvido: “Minha filha do coração”.
Por: Carla Freire