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Fenómeno 2005

Corta!

Depois da lista dos filmes preferidos de 2005 para o Corta!, aqui revelada na passada semana, colocamos agora um ponto final em 2005 com o maior fenómeno nas salas de cinema portuguesas durante o ano que agora terminou.

Mais de 300 mil pessoas já o viram. Numa altura em que quase ninguém vai ao cinema, e quando são muito poucos os filmes que ultrapassam, em Portugal, tal barreira, é um verdadeiro fenómeno aquilo que se continua a verificar com O Crime do Padre Amaro, a nova adaptação, bastante livre, do romance de Eça de Queiroz.

Produzido sem quaisquer apoios estatais, contando com o apoio de um canal televisivo, este filme realizado pelo estreante Carlos Coelho da Silva, operou verdadeiros milagres nas salas de cinema nacionais. Afinal o público português não tem nada contra o cinema feito por cá. Quanto muito terá algo contra o cinema que é feito por cá. Não se defende aqui no Corta! a contagem de cabeças para definir a qualidade de um filme, não é isso que está em questão, mas quando algumas centenas de milhares de pessoas decidem ir ao cinema ver um filme made in Portugal, contrastando com a maioria dos filmes nacionais que continuam quase sempre a ser exibidos para salas vazias, é impossível não pensar mais aprofundadamente no assunto.

Corrido a bolas pretas pela grande maioria dos críticos, o público não ligou nenhuma a tais considerações e encheu as salas. Fartos talvez de tantos filmes nacionais cinco estrelas que se revelam demasiado maçadores, intragáveis ou incompreensíveis. Os portugueses acabaram mesmo por preferir ir ao cinema ver a dupla Jorge Corrula – Soraia Chaves, neste Padre Amaro, do que a dupla mundialmente famosa António Banderas – Catherine Zeta-Jones, que se viu relegada para segundo plano, com o mais recente Zorro a ser visto por menos pessoas, tendo estreado quase em simultâneo nas salas portuguesas. Quem poderia imaginar tal? Poucos, muito poucos, ou até mesmo ninguém.

Os ingredientes para tal sucesso são aparentemente fáceis de identificar, mas não tiram qualquer importância aos números em questão. Com uma promoção forte e inteligente, a saber tirar partido daquilo que mais poderia interessar ao grande público (e se tal tarefa parece fácil ou óbvia façam o favor de comparar com os teasers e trailers de O Fatalista, o último filme de João Botelho), a que se devem juntar doses bastante generosas de sexo, O Crime do Padre Amaro prepara-se para arrecadar o título de filme português mais visto de sempre nas salas de cinema portuguesas (por enquanto Tentação ainda tem tal mérito).

Com bastante acção que muitas das vezes não leva a lado nenhum; sexo sem pudores, numa quantidade muito acima da média daquilo que é habitual ver num filme que não seja porno ou erótico; um argumento com mais buracos que um queijo suíço e uma realização, fotografia e montagem de aspecto bastante amador, poderá até parecer uma contradição afirmar que o futuro do cinema português poderá passar por aqui. Mesmo não devendo muito à qualidade, se todos os meses surgisse um filme português que conseguisse continuar a levar tanto português a ver um filme feito por cá, talvez certas barreiras se quebrassem. Quem sabe não seria essa uma forma de o público se habituar a ver cinema nacional? Seja ele um Crime do Padre Amaro, um Alice, um Fatalista ou um Odete. Tal como acontece com a maior parte do público que apenas vê filmes americanos, nem sempre sairia satisfeito da sala de cinema, mas isso não passaria a ser uma razão para deixar de ver cinema português. Insatisfeito umas vezes, agradado outras. O cinema nacional só tem a ganhar com a variedade, para que o mito do cinema português ser todo ele deprimente e intelectual, que o não é, caia finalmente por terra. Já era sem tempo.

Por: Hugo Sousa

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