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Fé estival da Euro Reversão da Interiorização

O Portugal contemporâneo, particularmente o benfiquista, católico e amante de festivais, conjugou esta semana o pretérito mais que perfeito! Pegou no Delorean de M. J Fox, fez a oração, e só parou em finais da década de 60 para realizar tudo o que um tímido sol de inverno de décadas apenas lhe deixava almejar. Ainda que o medo e a fome fossem fáceis de encontrar, ele e ela caminham de mãos dadas com a fé. Fé que permite mesmo na maior adversidade a crença de que o vento mudou e alterou o sopro gélido para a brisa suave e refrescante do Verão.

Não parou necessariamente em Santa Comba Dão ou num campo da típica desfolhada portuguesa, já que a tríade que nos enfermou de forma mais veloz que um surto de sarampo, voltou e não foi magia, foi prova que não se mudam as vontades e anseios de um povo num espaço de duas gerações. Gente de lusitana paixão que gosta da festa da vida, de golos do Jonas, de festivais, da realidade aumentada de Joana Vasconcelos, de gravar um momento quando o pode viver, de tourada, de madrugada… Um bem bom de tradição que nos serve de desculpa desde tempos quase imemoriais.

Sabemos como tudo começou por aqui, um conquistador e povoador que conheceu uma menina no alto da serra, a Ribeirinha, seu grande, grande amor, teve o desejo de povoar uma zona inóspita mas fulcral para a defesa do reino. Pelo que após algumas trovas e baladas que nos deu, redigiu um instrumento de coesão territorial que até hoje ninguém conseguiu fazer “playback”. Apesar das 164 medidas de baunilha e chocolate da Unidade de Missão para a Valorização do Interior, continuamos a assistir à debandada de serviços estruturantes para fixação da população. Apenas em sonhos mágicos conseguiremos povoar sem manter um estado mínimo que garanta alguma atratividade.

Em muitos concelhos encerraram-se tribunais e houve, da parte de muitos, silêncio e tanta gente a ficar afastada muitos quilómetros de algo tão pouco importante como a justiça quando comparada com a atualização de cadernetas. Porque se nos parece óbvio que a Caixa foi um sobe sobe balão sobe de imparidades que agora quer cortar a direito, até no serviço público que deveria ser assegurado em zonas no limite da sua viabilidade, não é menos óbvio que neste barco à vela que anda ao sabor do vento demagógico, com Portugal no Coração ou na lapela, não houve a mesma disponibilidade para defender serviços indispensáveis por parte de muitos que agora dizem “penso em ti”. E depois do adeus algum dirá, voltarei? Para quem?

A Guarda não está imune e tem também de se ungir e gritar não sejas mau para mim a toda e qualquer iniciativa de perda de serviços, ambiente e património. Se no caso do encerramento do Centro Educativo do Mondego não sabemos se vamos a tempo do milagre, o rio Noéme continua a não ser um amor de água fresca e nem lhe questionamos para onde vai, tal o seu cheiro, já que uma flor de verde pinho plantada em brita da VICEG basta para a proclamação do amor ambiental. Já a principal promessa de renovação patrimonial à cidade deveria estar concretizada antes do adeus a este mandato. “Coisas de nada” emperraram o processo e restava um deixa-me sonhar. Mas a senhora do mar veio de Lisboa chamar a música aos nossos ouvidos, anunciando a solução para o Hotel Turismo, que depois de tanto dai-li, dai-li Dou, todos acreditamos que se concretize mas com uma dose extra de fé e alienação psicotrópica.

Há dias assim, não haverá hotel para abrir, mas muitos tijolos para entregar e alguns miolos para o calendarizar. Todos serão chamados a esta ressurreição, veremos grandes cartazes com os temas “Todas as ruas de Amor”, “Amar” ou até “O meu coração não tem cor”, invocando feitos e coligações unipessoais sendo certo que muitos vão cair no dança comigo, dizer eu quero ser tua apoiante, ou se eu te pudesse abraçar, tal a sedução pelo poder. Para alguns há, no entanto, um mar que nos separa, uma diferença de pontos de vista quanto à melhor forma de dar vida a este pedaço de interior que não se pode resumir a um programa assente na fé. Vida minha, vida de cada um, estará em causa. A luta é alegria e todos estão convidados a trabalhar para um grande adio, adio, aufiderzin, goodbye… A demissão desse ato é continuar a ter o Amar pelos dois, ou por si.

Por: Pedro Narciso

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