1. O relatório dos técnicos independentes que analisaram os incêndios de outubro entregue terça-feira na Assembleia da República confirma que o Estado foi incompetente e o Governo deixou o país ao abandono. E nota duas informações relevantes: a Autoridade Nacional de Proteção Civil pediu meios que o Governo não autorizou e apresenta suspeitas de negligência da EDP.
Voltando ao fim-de-semana mais fatídico da história contemporânea portuguesa (15 de outubro), em que arderam milhares de hectares no Centro e Norte de Portugal, morreram 48 pessoas, quase todas com mais de 70 anos. Não fugiram do fogo, foram surpreendidas enquanto tentavam salvar os seus bens. E mais de 500 mil animais ficaram queimados e foram destruídas aldeias, quintas, fábricas… um meio ambiente devastado pelas chamas, vidas destruídas pelo fogo e pela incúria. Este Relatório tão esperado confirma o pior, confirma que o Governo foi incompetente e tem responsabilidades na dimensão da tragédia. E este Relatório confirma que a tragédia podia ter sido evitada, devia ter sido evitada. Havia informação que permitia preparar devidamente o combate às chamas, mas o que houve foi um «dramático abandono».
António Costa disse então que os portugueses não podem estar sempre à espera do Estado para acudir aos problemas; a ministra da Administração Interna não se demitiu então das funções, mas demitiu-se da responsabilidade de prever, planificar e combater um flagelo impressionante. Tão impressionante como a falta de exigência dos portugueses perante a dimensão da catástrofe!
Hoje, muito para além da interpretação que cada um possa fazer dos acontecimentos, e para além da perceção empírica que possamos ter sobre os incêndios, vemos como um relatório de técnicos independentes, propostos e aceites por todos os partidos, arrasa o Governo, arrasa, o Primeiro-Ministro, arrasa a então Ministra da Administração Interna… Estranhamente, por entre o negro da paisagem, as lágrimas e as memórias do terror, complacentes, os portugueses não exigem outras responsabilidades – responsabilidades políticas e até criminais. Morreram 48 pessoas, mas por estes dias de luz primaveril, volta-se a olhar com pena para os que sofreram o flagelo, com vontade de esquecer e perdoar os governantes que decidiram a desmobilização de meios (comprovada) e a desvalorização de alerta do IPMA (que durante dias alertou para os riscos de um fim de semana anormalmente quente e seco). A incompetência não pode ser esquecida! Mas os portugueses, povo de brandos costumes, solidários, não exigem mais do que a reparação de danos, não se mobiliza pela responsabilização (promovi na Guarda, a 21 de outubro, uma manifestação de solidariedade com as vitimas dos incêndios e em defesa de políticas para o interior, sobre o lema “basta! por um futuro sustentável!”, a que acederam menos de 300 pessoas, porque o cidadão, afinal, prefere ficar no conforto do seu lar a fazer comentários nas redes sociais do que sair à rua a contestar e a exigir mudanças – por partidarite, preconceitos ideológicos e sociais… – http://www.ointerior.pt/noticia.asp?idEdicao=937&id=56610&idSeccao=13649&Action=noticia).
2. E porque esta semana se celebrou o dia da Poesia, e enquanto se comemoram os 25 anos da morte de Natália Correia, poetisa desassombrada (ela que se afirmava sempre poeta e não gostava que a tratassem por poetisa), recordar aqui a sua exaltação nos “Sonetos Românticos”: «Creio nos anjos que andam pelo mundo / Creio em amores lunares com piano ao fundo / Creio nas lendas, nas fadas, nos atlantes / Creio que tudo é eterno num segundo / Creio num céu futuro que houve dantes / Creio nos deuses de um astral mais puro / Na flor humilde que se encosta ao muro / Creio na carne que enfeitiça o além / Creio no incrível, nas coisas assombrosas / Na ocupação do mundo pelas rosas / Creio que o Amor tem asas de ouro, Ámen».
Luis Baptista-Martins