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Estranhos vizinhos

Em Celorico da Beira, várias famílias vivem lado a lado com uma linha de alta tensão

Está relançada a polémica em relação às linhas de alta tensão, numa semana em que os protestos assomaram à porta da Rede Eléctrica Nacional (REN). No centro da contestação continua o possível impacto negativo dos campos electromagnéticos destas estruturas.

O traçado da Rede de Muita Alta Tensão da REN também passa pela região e a preocupação em relação às controversas antenas começa a fazer-se notar, ainda que de forma mais silenciosa. A verdade é que, apesar de tudo, nas freguesias de S. Pedro, Santa Maria e Fornotelheiro, em Celorico da Beira, há muito que os moradores se habituaram à convivência diária com uns “estranhos” vizinhos de grandes dimensões. Há cerca de 20 anos que as estruturas eléctricas atravessam as freguesias, cruzam telhados, galgam ruas, caminhos e campos, rumo a Trancoso. E se em Silves ou Sintra os ânimos exaltaram-se, na zona de Celorico da Beira a passagem da linha da REN é já encarada com naturalidade, pelo menos por alguns moradores. Ainda assim, há quem vá confessando alguns receios. Quase na periferia da vila de Celorico, a habitação de Augusta Santos está rodeada por uma série de antenas. Avarias constantes nos electrodomésticos é a principal queixa desta moradora, que admite mesmo que os postes possam «fazer mal à saúde, além de serem também perigosos».

Mas no rol de queixas da maioria dos habitantes estão os ruídos «desagradáveis» provocados pelas gigantescas estruturas. Esta é a principal reclamação de António Carlos. «Quando há vento, existe um zumbido constante, dia e noite», vai dizendo. Embora admita que tem «algum receio, sobretudo quando há mau tempo», o morador apressa-se a acrescentar que, em Celorico, não existe o hábito de «partir para grandes protestos». Umas poucas casas mais à frente reside Maria do Sacramento, que vive literalmente paredes-meias com uma das imponentes antenas. «As pessoas queixam-se, mas eu não tenho medo», avisa. «Até acredito que possa fazer mal, mas cá vou andando», conclui a conversa. A pouca distância dali, a controversa linha da REN atravessa depois um bairro residencial. Para muitos dos que lá moram, o problema afinal não reside nas antenas, mas antes na «aprovação do plano de construção da urbanização». António Marques recorda que os postes sempre ali existiram e que, por isso, «deveria ter havido a preocupação de construir noutro sítio». Quanto aos possíveis impactos na saúde, este morador desvaloriza e acredita que as linhas de alta tensão «em nada influem».

Efeitos negativos por provar

Ainda assim, António Marques não deixa de lamentar os «ruídos permanentes e o impacto visual negativo» causados por esta coabitação. Em Celorico, a habituação às grandes estruturas eléctricas é de tal ordem que nunca chegaram às Juntas de Freguesia quaisquer protestos oficiais. Luís Ramalho, que preside à freguesia de S. Pedro, recorda-se que, há perto de nove anos, alguns moradores chegaram a elaborar um abaixo-assinado, mas o documento «”morreu na praia” e não foi sequer entregue na EDP ou na Câmara Municipal». E a verdade é que, à parte deste já longínquo episódio, não há registo por aqui de grandes dramatismos por causa da linha de muito alta tensão da REN. A convivência é pacífica com estes “estranhos” vizinhos que, desde há muito, e um pouco por toda a parte, tanta polémica têm gerado. O problema é que não existem dados sólidos sobre o efeito negativo dos campos electromagnéticos no organismo humano.

Inclusivamente, a Organização Mundial da Saúde (OMS) sustentou já este ano que estes não representam nenhum perigo. Mas noutros estudos já se concluiu que a exposição aguda pode causar estímulos musculares e nervosos, dores de cabeça ou mesmo o aparecimento de vários tipos de cancro. Os campos electromagnéticos resultam da voltagem das linhas eléctricas e da corrente que por elas passam. A construção do traçado da linha de muito alta tensão entre Tunes e Portimão relançou, na semana passada, o debate em torno desta questão. O presidente da REN, José Penedos, observou, no seguimento dos protestos verificados, que «não há evidência da relação causa-efeito entre o transporte de electricidade e problemas de saúde humana».

Rosa Ramos

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