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«Este prémio é uma forma de prestar homenagem ao escritor Fialho de Almeida»

Cara a Cara – Entrevista

P- Qual a importância deste Prémio de Ensaio Óscar Lopes, atribuído pela editorial Caminho?

R- Para além, naturalmente, daquilo que este prémio representa a nível pessoal e profissional, ele tem para mim um duplo significado simbólico. Por um lado, o de, através dele, prestar homenagem a um grande mestre das Letras e da Cultura portuguesas, o professor Óscar Lopes, por ocasião do seu 90º aniversário, e, ao mesmo tempo, ter o privilégio de ver o meu trabalho de investigação reconhecido pela sua autoridade e saber. Por outro lado, o de me permitir chegar a um maior número de leitores, desafiando-os para uma (re)leitura da obra de Fialho de Almeida, precisamente no ano em que comemoramos o 150º aniversário do seu nascimento. O prémio é assim também uma forma de prestar homenagem ao escritor Fialho de Almeida. Se há coincidências felizes, esta parece-me ser uma delas…

P – Em que consiste o trabalho que desenvolveu?

R – É difícil sintetizar em breves palavras um trabalho de largo espectro… Em todo o caso, direi que pretende questionar a leitura “realista/naturalista” da obra fialhiana, sobretudo na sua vertente ficcional, leitura responsável pela comparação implícita ao romance queirosiano e pelo silenciamento a que a crítica literária confinou este autor. É, aliás, o próprio Fialho quem por diversas vezes se demarca desta leitura, insurgindo-se contra aquilo a que ironicamente chama “kodakização” do real. O trabalho em questão pretende simultaneamente chamar a atenção para a configuração de uma poética da expressão na qual o grotesco, enquanto desconstrução do pensamento lógico, racional, predomínio do visual sobre o discursivo, tem um papel fundamental.

P- Como surgiu o interesse pela obra de Fialho de Almeida?

R- Durante vários anos fui docente da disciplina de Literatura Portuguesa do século XIX-início do século XX: o interesse por Fialho surgiu, antes de mais, determinado pelo âmbito da disciplina e por razões de ordem académica de especialização nessa área. Mas, na verdade, talvez não tenha sido esse o factor mais importante. O interesse pela obra fialhiana surgiu de forma mediatizada pela escrita de Raul Brandão, autor que confessadamente reconhece em Fialho o seu “mestre”. Conduzida desta forma ao encontro de Fialho, depressa me apercebi da modernidade da sua escrita. Com ela, não é tanto o século XIX que termina, mas o século XX que começa (o experimentalismo linguístico; o diálogo interartístico; o grotesco moderno; a loucura como visão do mundo; o desassossego e a fragmentação interior; o expressionismo “avant-la-lettre” estão nela bem presentes). Foi esta vocação inaugural, modernista e vanguardista da escrita fialhiana que verdadeiramente me entusiasmou, sobretudo quando me parecia ser óbvia a “cegueira” e o preconceito de alguma crítica literária em relação a este autor.

P- Qual é, neste momento, a sua relação com a Guarda?

R – Na Guarda estão as minhas raízes familiares, as minhas memórias de infância, a matriz daquilo que hoje sou como pessoa. Por esse motivo, um lugar especial e único na minha geografia dos afectos, um porto-seguro a que gosto de regressar sempre que posso. Embora, devo acrescentar, nem sempre me identifique com algumas das suas metamorfoses mais pretensamente modernas…

P- Que projectos tem para o futuro?

R- Neste momento tenho em mãos o projecto de organizar e publicar um conjunto de textos de Fialho sobre crítica de arte que se encontram dispersos ou inéditos em volume. Fialho foi, também a este nível pioneiro entre nós, na medida em que foi o único escritor no final do século XIX (excepção feita a alguns contributos pontuais de Jaime Batalha Reis) a escrever de forma sistemática sobre o panorama nacional das artes plásticas, abrindo caminho para a novidade da nossa primeira geração modernista. Em meu entender, essa faceta de pioneiro (que José Augusto-França, de resto, sublinhou) não foi valorizada e é pena, tanto mais que não há notícia entre nós da existência de um equivalente aos “Salons” de Baudelaire ou de Octave Mirbeau…

A longo prazo, gostaria de levar a cabo uma edição crítica da obra de Fialho de Almeida, organizada de acordo com critérios diferentes daquelas que existem actualmente no mercado (o critério cronológico é questionável em autores que, como Fialho, cultivam a dispersão ou fragmentação genológica). Isto, claro, sem prejuízo de novos projectos, sobretudo no âmbito das poéticas interartísticas ou da literatura comparada que me seduzem cada vez mais.

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