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«Este prémio é o culminar de um trabalho de 12 anos»

Cara a Cara – Luís Clemente

P – Ficou surpreendido com a conquista do primeiro prémio do Concurso Internacional de Direção de Orquestra Sinfónica de Budapeste?

R – Fiquei mesmo surpreendido na verdade. Nem sequer tinha ido ao concurso com pretensão de trazer nenhum prémio e por isso fiquei bastante surpreendido. O júri não me comunicou porque me escolheu a mim, mas penso que os motivos que terão levado a que fosse eu o vencedor terão sido alguma destreza técnica essencialmente e também a preparação musical.

P – Que significado tem para si esta distinção obtida num prestigiado concurso que contou com concorrentes de vários países?

R – Em primeiro lugar, fiquei muito feliz porque é o culminar de um trabalho de 12 anos. Há 12 anos que estudo profissionalmente direção de orquestra. Fiz licenciatura, mestrados e estou a fazer doutoramento. Este estudo obviamente que nunca termina, mas posso dizer que foi mais ou menos o fechar de um ciclo e também foi essa a minha intenção quando decidi participar, a de fazer uma espécie de prova pessoal para ver ao fim deste período de estudo em que ponto é que estava. Por isso é que disse antes que não tinha pretensão nenhuma de ganhar o prémio, até porque sabia que é muito difícil, há pessoas de muitos países e, infelizmente, o nosso país não é o mais desenvolvido em termos musicais. Fiquei, por isso, surpreendido quando o júri me selecionou, mas penso que o prémio tem essencialmente esta importância pessoal, de avaliação. Não acho que vá mudar a minha carreira, embora seja evidente que tenho tido outros convites. Ainda na semana passada estive em Espanha, num convite profissional que surgiu a partir desta notícia do prémio, mas a idade também já me ensinou que é preciso ter muita paciência e calma e não criar euforias.

P – Mas o prémio poderá abrir-lhe outras portas?

R – Sim, logo à partida, o prémio consistia num convite para dirigir a Orquestra Sinfónica do Danúbio na próxima temporada. Ou seja, não é para dirigir toda a temporada, mas para fazer três ou quatro concertos como maestro convidado e isso é, sem dúvida nenhuma, uma montra.

P – É também uma responsabilidade acrescida?

R – É. Já conhecia a orquestra porque já estive neste concurso há cerca de cinco anos. Não ganhei nada na altura, agora, aparecer na condição de maestro convidado, pessoalmente, é uma alegria e uma responsabilidade muito grandes.

P – Que ambições tem para a sua carreira musical no futuro?

R – Felizmente desde que acabei a minha licenciatura em 2000 tenho conseguido trabalhar sempre na música e isso torna-me essencialmente feliz. Se tivesse que ter uma ambição acho que escolheria continuar a ser feliz a fazer música, seja aqui ou onde for. Em termos mais específicos, sou exigente, certamente que não deixarei de estudar ou de trabalhar por causa do prémio, mas como ambição quero fazer concertos e andar por aí.

P – A 10 de outubro assumirá a direção musical da Banda da Covilhã. Como encara esse desafio?

R – Se tivesse que sintetizar tudo em poucas palavras diria que é uma honra muito grande. Colaboro com a Banda da Covilhã há cerca de dois anos, tive a felicidade do professor Eduardo Cavaco me aceitar nesta família e penso que a nossa colaboração tem sido muito frutuosa para a banda. Aliar o talento dele em termos organizativos e como dinamizador de projetos à questão musical que eu trouxe à Banda, penso que fizemos e fazemos um bom grupo de trabalho. A Banda da Covilhã é, sem dúvida e sem nenhum favor, um sítio muito especial. Conheço muitas bandas de muitos países, muitas orquestras e dentro do nível amador, que é onde se insere a Banda da Covilhã, tem uma dinâmica espetacular, não só a nível de direção mas se calhar até essencialmente a nível da massa musical e dos pais. Esta comunidade é muito ativa, há muitos projetos e as pessoas vivem muito a Banda da Covilhã e isso é aquilo que gosto na música. Se tiver que escolher entre estar num contexto profissional exclusivamente metódico ou se puder estar num ambiente musical, mas com estas caraterísticas, prefiro estar neste. Fazer música tem que ser algo feliz e não apenas um trabalho. Deste modo, assumir a direção artística e passar a ser o maestro oficial da Banda é um processo que vem sendo preparado há dois anos, precisamente para não criar nenhum tipo de choque e é uma honra porque já conheço as pessoas e temos feito aqui belos projetos musicais.

P – Pretende introduzir alterações significativas no funcionamento?

R – Como disse, há dois anos que vou pondo a minha “colher”, ainda que isso, às vezes, não seja muito transparente para os músicos, pois é uma coisa mais interna, mas a maior parte dos projetos musicais tem sido discutida internamente e, pouco a pouco, tenho já incutido algumas questões. Agora, obviamente que sempre que se muda a liderança de qualquer coisa algumas estratégias mudam. É impossível mudar as pessoas e não mudar a estratégia, mas o que me interessa é que seja um trabalho de continuidade no sentido de crescimento. Portanto, as alterações que forem introduzidas serão certamente com as melhores das intenções e à procura de uma melhor otimização dos recursos.

P – Como vê o ensino da música na região?

R – Esse ensino é um espelho do que se passa no país, mas talvez um pouco com a desvantagem de estarmos muito encostados ao lado errado do país, o que não quer dizer que não se faça boa música. Mas penso que qualquer pessoa dirigente de uma escola de música, de um conservatório ou de uma universidade, terá a mesma opinião. É muito difícil fazer música no interior. Os apoios são cada vez menos, as exigências cada vez maiores e as infraestruturas nem sempre são as adequadas para fazer um concerto. Por exemplo, trazer uma orquestra sinfónica à Covilhã não é propriamente um problema porque temos alguns espaços, mas se calhar ir a Sortelha ou a outro sítio semelhante seria algo impensável. Padecemos muito desta falta de equipamento no interior. Em termos de músicos e dos professores, há aqui gente de muito talento e muita qualidade. Penso que nem todos são suficientemente reconhecidos no seu trabalho e isso entristece-me, pois os colegas estudam e trabalham tanto para serem professores ou músicos e ainda há nalguns sítios um pouco de divórcio entre a população e a população musical. Não se sabe bem o que se passa a nível musical. Talvez a Covilhã seja um pouco uma exceção.

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