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«Estás mais magra!»

Tresler

1.Sou daqueles que não resiste a um suplemento especial ou a uma revista de fim de semana com o tema “dieta”. Não que é a minha barriga faça muito má figura mas, na procura da perfeição, sempre me seduziu este tema que a cada passo ameaça trazer-nos novidades que afinal… não trazem novidade nenhuma. Ou então exigem ingredientes exóticos ou procedimentos que não lembrariam ao Dalai Lama. Às vezes é também o lado frágil de quem quer desesperadamente mudar de corpo que me atrai nesses temas. Depois a revista espera uma melhor altura de ser lida e quase sempre ali fica perdida até que uma nova edição com ideias “novas” faz esquecer aquela. O anseio das pessoas realmente gordas por uma novidade que lhes apareça como salvação é algo de semelhante mas nesses casos a multiplicar por 100 e conjugada essa pulsão com a vontade de ter um milagre acessível sem esforço. As pessoas realmente necessitadas de ajuda esperam sempre um lado mágico nos métodos que utilizam: outra forma de dizer que, façam o esforço que fizerem, o remédio terá sempre um ingrediente que vai ser preponderante e substituir a vontade ou a falta dela. Pura ilusão? Diria que mais valia irem a pé a Fátima.

2.Vem este relambório a propósito dos livros de Isabel do Carmo da coleção “Coma bem, viva melhor”, disponíveis em qualquer quiosque da praça. Li num repente dois deles, mas se ia à procura de soluções mágicas, bem posso dizer que se trata de livros que pretendem mesmo deitar abaixo os mitos do emagrecimento. Em primeiro lugar, o mito de que é fácil e basta querer. Não, não basta querer, porque é muito difícil querer mesmo. Depois o mito da necessidade de emagrecer diante de uma sociedade que exige, sobretudo às mulheres, que correspondam a padrões pré-definidos de beleza e saúde. Não, para muita gente que anda a lutar com o corpo, não seria mesmo muito essencial perder meia dúzia de quilos. A seguir, muitos outros mitos, como o de que se deve beber muita água ou de que a transpiração emagrece – nenhum deles corresponde à verdade a não ser que isso seja acompanhado de outras medidas.

Mas o que dói mais a quem lê as sugestões tão cruas de Isabel do Carmo é a necessidade de mudar de hábitos de vida e mesmo de estilos de vida. Se o ter bolachas e chocolates em casa é motivo permanente de tentação, não se comprem. Se o vinho, a cerveja e o uísque são fatores de “barriguismo”, que não haja bebidas em casa. Se há crianças em casa, vai tudo a água e acabaram-se as bebidas doces e gelados. Mas já imaginaram ter visitas em casa e não ter um doce para dar a um miúdo ou uma cerveja a um amigo, acompanhada de amendoins ou bolachas? Que espaço de convivialidade sobra sem álcool, bolachas, frutos secos e fritos? É uma revolução completa que nos propõe Isabel do Carmo. Coragem pois é preciso. Milagres não chegam.

E ao nível da comunicação é toda uma desconstrução idêntica que urge fazer. Pela via da racionalidade da alimentação da “roda”, será necessário, para começar, acabar com a publicidade a produtos alimentícios que apelam ao consumo de açúcar ou gordura. São as cadeias de produtos hipercalóricos as dominadoras do mercado (refrigerantes, hamburgers, gelados, bolos) e são essas que é necessário atacar. Depois urge desalojar bolos, salgados, refrigerantes e guloseimas das escolas ou das imediações das escolas. E da cabeça dos jovens e adultos.

3.Quanto ao movimento, vertente primeira que perdemos pelo tipo de profissões que exercemos e pela facilidade de transporte, é necessário reconstruí-lo artificialmente e andar / correr, mesmo quando isso não é mesmo “necessário” e “natural”. As nossas tarefas de papéis e rotinas miúdas também não são muitas vezes nem necessárias nem naturais e ainda por cima não nos fazem perder calorias. Por isso, se temos escadas em casa elas passam a ser uma oportunidade. Basta esquecermo-nos de uma coisa na garagem ou no sótão. O mesmo se o emprego não é longe e não temos grande peso para levar. Outras oportunidades são a hora pós-jantar para uma caminhada antes da novela preferida; a hora de almoço para vir a casa e evitar os snacks e doces. E em geral as refeições são também oportunidades para serem gozadas como rituais lentos e acompanhados.

Dos livros de Isabel do Carmo acabam por se salientar três ou quatro grandes ideias: que emagrecer só faz sentido se se sentir que é mesmo grande a diferença entre o peso que se tem e o normal para a estatura; que emagrecer será sempre um processo moroso e vai exigir sacrifícios a quem quiser mesmo; que emagrecer não é finalmente a chave para a felicidade.

(Isabel do Carmo, Saber emagrecer – 12 passos para perder peso com saúde; Isabel do Carmo, Perguntas e Respostas para emagrecer e manter o peso ideal, Publ. D. Quixote, 2011)

Por: Joaquim Igreja

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