A minha vida era um abraço se não fosse um fim. Era uma bica de vinho se não fosse seca. Era um carro se não fosse um tijolo. A minha vida não caminha porque o tijolo no mar se afunda. A minha vida é um fim porque chegou ao dia último de todos os que vivi feliz. A minha vida se fosse um abraço não me permitia nadar e fugir do mar onde se esgota. Era uma bica de água se fosse mais barata que o vinho. E agora é de vinho quando me sinto seco. E bebo para harmonizar enquanto me afundo. Bebo o vinho da bica que agora deita. Perguntas-me se vou triste? Claro que vou derrotado pelo desemprego prolongado, diminuído pelos cortes nas despesas, irado pela casa perdida, zangado pelo carro resgatado. Abraço o fim neste caminho fulo, nestas palavras ferozes, nestes sentimentos abertos implodidos e chocados. Os meus passos dirigem-se ao fim que pode ser revolução, revolta ou descontinuidade. Algo se aproxima que nos fará mergulhar na noite funda. É um carro sem condutor que desce a ravina sem travões. Desce embalado e decidido. No fim há um amargo estrondo que sonoriza o ponto final. Sim afogo-me na bica de vinho que ainda deita. Somos tantos na mesma direção. Ainda sem luz precipito-me no mar e não caminho: desço. Desço como um tijolo à procura do chão. Desço sem luz nenhuma e sem um braço. O afogamento é um ato só. Podemos ser muitos, mas é cada um de sua vez. Não há caminho. Há incúria, injustiça e desatino. Sem luz, tentamos cortar o cabelo. Sem luz, descemos!
Por: Diogo Cabrita