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Theatrum Mundi

No passado sábado, Rajoy e de Guindos finalmente informaram do inevitável, que o fundo de garantia financeira da União Europeia será utilizado para resgatar a Espanha. Os mercados há muito haviam antecipado a decisão, e as quedas abruptas do IBEX e PSI-20 nas últimas semanas, bem como o agravamento do prémio de risco sobre a dívida soberana de Espanha para níveis acima dos que provocaram o resgate português, não deixam margem para dúvidas. Depois da proclamação, Rajoy fez questão de dizer que tudo estava como dantes, dentro da normalidade, e que o que se impunha em seguida era ir assistir, ao vivo, ao Espanha x Itália do Euro 2012. Fez ainda questão de esclarecer que não se tratava de um resgate a um qualquer estado caído em desgraça, como nos casos anteriores que não nomeou, mas ao sistema bancário de uma nação forte, de uma potência europeia que obviamente não pode ser sujeita a condicionalismos macroeconómicos, como uma qualquer Grécia, Irlanda ou Portugal. E como já tínhamos ouvido dizer a Sócrates quando não pôde resistir mais ao resgate de Portugal, afinal a ajuda à Espanha é um favor da Espanha ao euro, à Europa e ao mundo. Agora sim a Europa está a salvo, o mundo está a salvo, e tudo se deve ao governo de Rajoy que nos últimos cinco meses fez tudo o que tinha que ser feito em nome de uma responsabilidade superior.

Infelizmente, já pouco surpreende nesta sucessão de factos, e a verdadeira questão é a de saber o que surpreende menos. Surpreenderá menos que tudo a falta de credibilidade dos dirigentes europeus que insistem em ignorar as evidências e a dimensão europeia da crise? Surpreende menos que tudo a falta de solidariedade europeia e a tentativa de demonizar a Grécia? Ou surpreende menos ainda a tentativa de utilizar o futebol para anestesiar as massas e forjar consensos duvidosos? Ou o facto de verdadeiramente não haver respostas para as injustiças que esta crise está a aprofundar? Ou será que já não surpreende nada – e incomoda ainda menos – a inevitável latino-americanização da Europa do Sul?

Afinal, mais do que a chegada de Hollande ao poder, pode bem vir a ser o resgate espanhol a provocar, ou a acelerar, a alteração da abordagem à crise. Diferentes forças políticas por toda a Europa já falam na renegociação dos resgates anteriores, e sobretudo na Irlanda a questão promete agitar as águas. É que o resgate irlandês foi provocado pelas mesmas razões que levam agora a Espanha a recorrer ao mecanismo financeiro da União Europeia. Aliás, os contornos da crise na Irlanda e na Espanha são muito parecidos e têm que ver, não com o descalabro das contas públicas num primeiro momento, mas com a bolha imobiliária e a especulação financeira em que se envolveram construtoras, instituições bancárias e famílias, acabando por produzir consequências sobre as contas públicas. A ideia de renegociação dos resgates parece inevitável, já que há outros fatores a pressionar para isso. Outra questão é o clima político de desconfiança que se vai adensando na Europa, entre governos mas também no interior do que já se pode chamar de sociedade europeia. O resgate espanhol vem confirmar para muitos que há dois pesos e duas medidas na política europeia, que as instituições não são neutrais e funcionam a favor de uns mais do que de outros, ou contra outros. Ou que são ineficazes e decidem sem critério. Ou que são mera caixa de ressonância dos interesses alemães. Aliás, o ressentimento anti-alemão está a fazer caminho na Europa, e nem o futebol fica a salvo. Na crise dos anos 1980, o FMI era o bombo da festa, por assim dizer. Hoje, as palavras de ordem contra a Alemanha e os seus dirigentes são as preferidas. A perceção sobre onde reside o poder de obrigar mudou. Seja como for, e com a opinião pública alemã cada vez mais a favor da expulsão da Grécia da moeda única, vai ser politicamente difícil aplicar à Grécia o mesmo alívio da pressão que começa a vislumbrar-se para a Irlanda ou para Portugal. Mas não se diga mais nada, espere-se antes pelas eleições legislativas helénicas deste domingo e logo se verá.

Por: Marcos Farias Ferreira

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