Se há um género cinematográfico que, na sua era clássica, está mais ligado à cor que ao preto e branco esse é o musical norte-americano. Já haviam sido feitas algumas experiências, mas a cor só chegou definitivamente ao grande ecrã no final dos anos 30 dando início a musicais maravilhosamente extravagantes. O processo de coloração de filmes mais utilizado na era dourada de Hollywood tinha o nome de Technicolor, designação que rapidamente ultrapassou a barreira puramente técnica para se tornar símbolo de glamour, kitsch, excentricidade e escapismo.
Nos tempos da Grande Depressão e durante a Segunda Guerra Mundial, os musicais, essencialmente produzidos pela MGM e pela 20th Century Fox eram um dos principais geradores de lucro da indústria cinematográfica. Ao contrário do que acontece hoje, em que o cinema está obcecado com a ideia de que só o real é que é bom, vivia-se o tempo da fuga à dura realidade e o musical, ainda melhor quando aliado à cor psicadélica, era uma ótima resposta de alívio e evasão à pressão da guerra e pobreza.
A cor do Technicolor é berrante, adoravelmente cansativa, artificial e dificilmente se desbota ao longo do tempo. Com a cor, novas divas do cinema viram-se catapultadas para as luzes da ribalta. Por oposição à dramaticidade e mistério que o monocromático conferia a estrelas como Greta Garbo, Marlene Dietrich e Bette Davis, a cor transmitia exuberância e vivacidade a divas como Betty Grable, Rita Hayworth e Carmen Miranda. Grable, a “pin-up” favorita dos soldados, viu a sua carreira definitivamente lançada graças à cor. Da mesma forma, Carmen Miranda, depois de flops a preto a branco, pôde finalmente singrar graças às suas “frutas technicolor” na cabeça. Rita Hayworth, Lucille Ball e, especialmente Maureen O’Hara (na foto) – aquela que é mais vezes recordada com “Queen of Technicolor” –, partilhavam um trunfo poderosíssimo para um sucesso colorido: um cabelo artificialmente ruivo (pelo menos no caso das duas primeiras).
De facto, os requisitos que facilmente garantiriam a uma mulher, convencionalmente bonita, o suculento nome de “Rainha do Technicolor” eram uma cabeleira laranja, olhos claros e lábios “vermelhos-cheguei!”. Maureen tinha-os todos. Ao longo dos anos 50, quando os musicais começaram a perder força, a cor jogava também muito bem com filmes de aventuras (onde Arlene Dahl, Rhonda Fleming e Yvonne de Carlo brilharam no seu curto reinado).
A estética da cor é muitas vezes kitsch, diferentemente do estilo sofisticado e sóbrio do preto e branco. Vistas assim as coisas pode parecer que o Technicolor está em desvantagem. Porém, a cor deu a conhecer uma geração de estrelas mais joviais e mais próximas do espectador que corresponde ao estilo da maioria das vedetas de hoje. Eu até posso considerar um horror ver “Casablanca” em versão “arco-íris” (coisa que se fez nos anos 80), mas é-me terrorífica a ideia de ver “The Wizard of Oz” em monocromático. Há filmes e estrelas que nasceram para e graças à cor. Bem dito seja o Technicolor.
Miguel Moreira