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Escola segura

observatório de ornitorrincos

Graças ao YouTube, a semana passada tivemos a oportunidade de ver as dinâmicas da educação portuguesa em curso numa sala de aula. Este assunto – o confronto entre uma aluna e uma professora numa escola secundária do Porto – fez o pleno das colunas de opinião da imprensa portuguesa, tendo havido repartição de culpas entre a jovem estudante, os seus pais, a professora e o Ministério. Excepto Rui Tavares, que responsabilizou os outros colunistas. Às vezes entristece-me este hábito português de procurar responsáveis e culpados em tudo. E às vezes acho que os jornalistas foram educados pela minha mãe, que também queria sempre saber “quem” é partiu aquele vaso e “quem” é que comeu o pudim que estava guardado no frigorífico para a festa de aniversário do meu irmão. Este costume da minha mãe marcou-me muito, principalmente quando ela descobria. Não valia de nada justificar-me com a Vontade de Schopenhauer, que sendo superior ao intelecto, era claramente inferior ao chinelo da minha mãe.

Tenho para mim que a situação foi encenada, que não aconteceu de forma espontânea, como acontece aliás com todos os vídeos “caseiros” que encontro na world wide web. E mesmo que fosse, este filme não demonstra a falta de cultura da juventude portuguesa. Tanto quanto sei, a aluna pode estar a tentar reaver o telemóvel com o argumento nietzschiano do eterno retorno ou a discutir a reificação do mundo social explicada por Marx. Ou a recitar um conhecido poema de Fernando Pessoa: “Não consta que Jesus Cristo tivesse biblioteca / mas se tivesse telemóvel / decerto o usaria no Monte das Oliveiras.”

Por acreditar que assistimos em nossas casas a um fenómeno do tipo Blair Witch Project é que se me ocorrem outras questões sempre que vejo o referido vídeo, que escrevo nas próximas linhas, uma por parágrafo. Para ocupar mais espaço.

Qual é a marca do telemóvel com que o filme foi feito?

Quais as referências cinematográficas do realizador?

O guião foi seguido à risca ou houve ali espaço para a improvisação?

E finalmente, a quem é que o rapaz chama “peixona”? Nesse momento a imagem tem pouca nitidez e julgo ser uma informação relevante para a compreensão da narrativa.

Curiosamente, este é o único filme português visto por mais de cem mil pessoas que não mostra mamas. É também o único filme visto por mim durante a última semana que não mostra mamas. Devemos, por isso mesmo, louvar a capacidade de atrair multidões sem referencias explícitas a zonas erógenas femininas. Só para que se perceba a comparação, o outro filme português estreado a semana passada, Lobos, só tem interesse enquanto a actriz principal aparece sem camisola (uns 15 segundos).

Deixo aqui uma reflexão, até porque ninguém quis ficar com ela. Exploremos o potencial criativo das gerações que estão a despontar. Principalmente porque são eles que vão decidir o montante da nossa reforma.

Este filme não reflecte tanto o que está mal no sistema de ensino em Portugal, mas sim as qualidades que as escolas portuguesas transmitem aos alunos: intervenção, participação, iniciativa, espírito de grupo, sentido estético. Felicito a aluna, a professora, a Escola Secundária Carolina Michaelis, os pais, o aluno que filmou, o Ministério da Educação, a pedagogia moderna, os pedopsiquiatras e os criadores do YouTube por nos terem proporcionado momentos de alegria e diversão durante uma semana, suplantando a final do campeonato da WWE. Ah, só mais uma coisa. Mãe, não sei quem é que começou esta luta. Eu não fui.

Por: Nuvo Amaral Jerónimo

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