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Entrudo molhado, mas sacrificado

Apesar da chuva, centenas de pessoas seguiram cortejo pelas ruas da Guarda

O Entrudo já passou, mas o seu enterro continuará certamente bem presente na memória de muitos guardenses. Apesar da chuva, as várias centenas de pessoas que, animadamente, assistiram, na noite de Carnaval, ao “Enterro do Entrudo” não arredaram pé até ao derradeiro momento. O povo clamou por fogo e o julgamento cumpriu-se, tendo as chamas “engolido” o sacrificado maltrapilho com cerca de cinco metros de altura.

Aquela que é uma das mais tradicionais e genuínas manifestações de Carnaval acabou por realizar-se, pois, apesar do tempo não ter ajudado à festa, o povo não deixou de percorrer as ruas da cidade para seguir atentamente ao cortejo teatro-alegórico. Neste característico Entrudo, em que se conjugaram diversas tradições das aldeias do concelho e as artes performativas contemporâneas, a “invasão” de várias surpresas ao longo do percurso tornaram esta festa numa autêntica e divertida folia pela vida. Desde o simbólico nascimento humano à folia, dos efeitos de luz à pirotecnia, do carro de Baco, da música, da alegria à morte do Entrudo, do cortejo fúnebre à comédia e crítica social, até ao grande final com fogo, tudo foi pretexto para o povo aproveitar para expurgar os males terrenos neste arrojado evento. A animação foi uma constante e os actores e figurantes envolvidos contagiaram tudo e todos à sua passagem. A tal ponto que público e participantes formaram, a certa altura, uma molde humana compacta. A interacção com a assistência foi certamente uma das mais-valias do espectáculo, embora muitos espectadores tenham feito questão de se antecipar ao cortejo.

Tudo para ter um bom lugar na Praça Velha, para onde estava marcado o ponto alto da festa. Ali surgiram várias bruxas com os seus rituais e distribuindo uma queimadinha pelo público. O julgamento aconteceu depois e não houve surpresas, pois o povo condenou o Entrudo ao fogo, cumprindo-se assim a tradição. No entanto, a sentença não foi unânime e até houve entre a assistência quem não quisesse condenar a personagem principal às chamas redentoras. Foi o caso de Miguel, de 6 anos, que pedia desesperadamente ao Entrudo que fugisse «para não morrer queimado». Final à parte, o pequeno disse ter gostado «muito» da festa. Já Diogo Monteiro, de 13 anos, não gostou por não ter conseguido ver nada devido à chuva, que “ensombrou” a iniciativa ao longo da noite. Porém, a maior parte do público foi unânime ao considerar o “Enterro do Entrudo” um bom espectáculo de animação e teatro de rua. «É um Entrudo como nunca houve na Guarda e que repõe algumas tradições das aldeias periféricas da cidade, fugindo ao conceito de Carnaval a que estamos habituados», sentenciou Pereira da Silva, de 63 anos. Este espectador atento considera que foi «um espectáculo interessante, que tem alguma coisa de nosso».

Mas o que mais lhe agradou, para além de todo o figurino e espectáculo cénico, parecem ter sido «as piadas portuguesas e regionais» que satirizaram e criticaram os políticos locais e nacionais. Também Mário Andrade, de 59 anos, acha importante «apostar neste tipo de iniciativas», esperando que o evento se repita para o ano. A iniciativa envolveu cerca de 300 pessoas, de 16 colectividades do concelho e não só, que ao longo de três meses se empenharam na preparação e concepção de todo o espectáculo.

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