É nos momentos de crise, quando a angústia percorre transversalmente o país inteiro, que a necessidade de uma imprensa livre e independente se torna mais intensa e crucial. A anquilose social em que Portugal mergulhou, duma forma muito mais dramática do que em outros países, não degradou apenas a realidade sócio-económica, com os traumas da pobreza, da desvalorização do trabalho, do desemprego, da ausência de horizontes e do assassinato da esperança a deixarem rastos insuportáveis na sociedade portuguesa; as feridas são mais fundas e tocam aquela esfera de valores que, por sua própria natureza, deveriam ser intocáveis. Acontece que a degradação da prática política, a crescente ausência de vergonha com que se mente aos portugueses, a baixa qualidade moral dos actores políticos, a forma como os interesses financeiros cavalgam e dominam a política à escala total, provoca nos cidadãos um descrédito brutal sobre uma acção que devia ser nobre e de serviço público – e é-o cada vezmenos – olhando hoje o povo para o universo da decisão dos governos com uma total desconfiança.
A maior parte dos cidadãos deixaram de acreditar nesses sujeitos que têm boa retórica sobre o patriotismo das suas acções, sobre a sua dedicação à pátria (palavra que lhes devia queimar a boca, pelas malfeitorias que têm feito), mas cujas biografias apenas mostram bons serviços a interesses espúrios e privados (que mais tarde logo os recompensarão com manjedoura farta!), eles estão lá para servir esses obscuros domínios – ir muito além da Troika! – e fazer da população espécie de carne para canhão (canhões devidamente recalibrados) para um destino de pobreza e infelicidade.
Neste contexto, a imprensa deveria ser uma espécie de último recurso para o exercício da indignação e da crítica, que convergisse numa exigência de serviço público, insubstituível como garante da própria vitalidade da democracia. Infelizmente, também a informação é cavalgada por interesses económicos e financeiros, pasto apetecível de grandes grupos, cuja natureza nem sempre é clara, cuja natureza implica não o entendimento da informação como serviço público essencial, mas como um negócio onde a promiscuidade com o cifrão se transforma no grande critério dominante de selecção da realidade.
Estou a escrever este texto e acabo de ler no “El Pais” uma excelente crónica de Manuel Vicent precisamente sobre este tema. Escreve ele: «Temos o direito de estar bem informados, mas hoje a informação chama-se comunicação e a comunicação apresenta-se como uma forma de espectáculo e o espectáculo não é outra coisa que o gerador de audiência, êxito mediático, negócio. Afinal resulta que a informação sempre é um simulacro e a política um marketing impuro».
Nos anos de esperança a seguir à guerra, Albert Camus parece ter adivinhado tudo. Escritor notável e grande jornalista (releiam-no em “Camus a Combat”), ele conhecia como ninguém a condição humana, e por isso não se cansou de dar uma finalidade de exigência à imprensa: «Criar um espírito público e elevá-lo à altura do próprio país». E advertia: «Se vinte jornais (podíamos acrescentar agora: e televisões), todos os dias do ano, sopram à volta do público, o ar da mediocridade e do artifício, ele respirará esse ar e não poderá mais dispensá-lo».
Essa é que é a questão!
Com um abraço aos que fazem O INTERIOR no seu 14º aniversário.
Por: Fernando Palouro Neves
Jornalista