Quando alguém de fora visita a Europa, tende a fazer um périplo pelos espaços urbanos que consubstanciaram a memória coletiva do velho continente. Nele encontramos várias cidades de média dimensão – como Bolonha, Antuérpia ou Frankfurt –, aglomerados onde a componente física se conjuga com a componente moral e espiritual, conjugadas na realidade histórica, como resumia o arquiteto espanhol Fernando Chueca Goitia. É difícil pensar na Europa sem considerar as suas velhas cidades, essas pátrias artificiais, símbolos da comunhão dos homens, palcos de momentos singulares e arquivos de recordações e, portanto, quase os próprios silhares que compõem o muro da História.
Mas a realidade histórica constrói-se cada dia e faz-se também de encontros entre épocas distantes. Há dias tive a oportunidade de testemunhar um dos mais belos encontros artísticos que descobri casualmente: as vídeo-instalações do artista norte-americano Bill Viola (n. 1951) e o interior da catedral tardo-gótica da capital suíça. Comissariado pelo antropólogo Martin Brauen, o projeto divide-se em dois lugares: o Kunstmuseum e a catedral de Berna. Mas é no segundo onde se dá o diálogo entre a obra arquitetónica medieval e a obra videográfica contemporânea, separadas por cerca de meio milénio. Toda a obra de Bill Viola – um dos pioneiros e possivelmente o mais consagrado vídeo-artista internacional – parece comungar da tradição artística secular quase de sabor oficinal. Embora recorra, frequentemente, a recursos complexos, as suas obras apresentam um virtuosismo tecnológico, um domínio impecável das potencialidades da imagem em movimento, engrandecidas por um profundo conhecimento e admiração pela história da arte, em particular dos grandes mestres da pintura renascentista. É nela que o artista se inspira formalmente para criar quadros e retábulos em movimento, apresentados em diminutos ecrãs ao jeito das pequenas tábuas que revestiam as igrejas europeias. Assim, em pleno centro histórico de Berna, património mundial da UNESCO desde 1983, entre pilares, arcos torais, cadeirais, brasões, púlpitos e memórias de outras épocas, as obras de Bill Viola – aglutinadas tematicamente em torno da Paixão de Cristo e de outras crenças e valores basilares do Cristianismo – atingem uma sublimação extraordinária, evocam a vida e a morte, relembram o caminho da purificação e da esperança.
Tânia Saraiva*
* Historiadora e crítica de arte; professora universitária