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Em Resumo

Quebra-Cabeças

Segundo William D. Nordhaus, na última edição da “New York Review of Books”, a década de 90 começou em Novembro de 1989, com a queda do Muro de Berlim, e acabou com os ataques terroristas de 11 de Setembro de 2001. Podemos dizer com a mesma propriedade que 2003 começou com a guerra do Iraque e acabou, em Portugal, com a acusação do Ministério Público no processo da Casa Pia.

Entre esses dois últimos eventos tivemos muito com que alimentar a nossa depressão colectiva: a pedofilia, o défice, a má governação, o assassinato do pacto de estabilidade às mãos de franceses e alemães, as cunhas dos ministros, os rumores pedófilos sobre outros ministros, o pulmão do país a arder em Agosto, a impotência perante os incêndios, o desaparecimento da oposição, as falências e o desemprego, a recessão, o processo da corrupção na GNR, o impasse no novo Hospital da Guarda, a confirmação no Tribunal Constitucional da condenação de Abílio Curto, a morte inglória da Desportiva da Guarda, vítima de gestões imbecis e criminosas.

Houve alguns bons momentos. Há que não esquecer a inauguração da A23, da A25, do segundo túnel da Gardunha, todos a aproximar-nos do litoral e a reduzir um pouco o nosso isolamento. Ou a inauguração do novo Estádio da Luz, com um bom jogo e uma águia de verdade (embora de contrabando) a planar majestosamente das bancadas para o relvado; ou a inauguração do novo Estádio do Futebol Clube do Porto (bonitinho mas cheio de desagradáveis correntes de ar e com um mau relvado, parece que vai ficar pronto ao mesmo tempo que a Casa da Música), com dragões em gesso e com um jogo de que o resultado era conhecido com uma semana de antecedência (e o primeiro golo veio de um penalti duvidoso).

Mas regressemos ao processo da Casa Pia. Um processo com treze mil páginas e sessenta volumes, no qual foram ouvidas mais de seiscentas pessoas. O Ministério Público não esgotou o prazo e conseguiu produzir uma acusação com mais de trezentas páginas contra dez arguidos. Segundo revelou em conferência de imprensa o Procurador-geral da República, a investigação originou mais de uma dúzia de outros processos, que poderão desencadear novas acusações. Este momento, o da conferência de imprensa, foi dos melhores do ano e fez regressar o processo à normalidade. Os acusados podem começar agora a defender-se, as vítimas podem pedir indemnizações, o país pode recomeçar a acreditar no funcionamento da justiça. João Guerra, o discreto procurador de que pouco se fala, aquele que assina a acusação, é o meu favorito para “Homem do Ano”.

Por: António Ferreira

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