Os portugueses não gostam de se comprometer. Preferem manter todas as opções em aberto e, por isso, quando confrontados com a raiz do problema, fogem. Em tribunal, então, é aflitivo. As testemunhas, por mais simples que seja a pergunta, rodeiam, rodeiam, contam o que pensaram no momento do sucedido, com todas as suas especulações e dúvidas, mas não dizem o que efectivamente aconteceu.
Esta postura, em sede de teoria dos jogos, é excelente: o adversário nunca sabe de que lado vem o golpe e ignora até ao fim as nossas reais intenções. É como se o Ricardo Quaresma avançasse sobre o Alcides e ameaçasse a finta a qualquer momento. O coitado do Alcides ia recuando, recuando, e o Ricardo Quaresma ia avançando com a sua ameaça de finta. O resultado só pode ser um, o golo do Porto, e a qualquer momento (mesmo que hipotético) vai haver dois mil super-dragões a arrancar da cara as protecções contra a gripe das aves (em singela homenagem à águia Vitória) para melhor poderem soltar a sua alegria.
Outro lamentável costume português consiste em defender uma ideia para um efeito e o seu contrário para outro, conforme convenha mais em cada momento. Por exemplo: discute-se agora em Portugal a opção da energia atómica para produção de electricidade. Ninguém sequer sugere, ou insinua, ou alguma vez lhe passou pela cabeça, que Portugal pretenda construir uma central nuclear para fins militares. Toda a esquerda é contra isso. Mesmo sabendo-se que entrámos já na era do petróleo caro, mesmo conhecendo-se a nossa excessiva dependência energética, ninguém vê o PCP ou o Bloco de Esquerda defender a construção em Portugal de uma central nuclear.
A verdade é que há muitas e boas razões para isso, ou pelo menos para lançar na discussão algumas legítimas e duras dúvidas: a relação custo/risco/benefício; o problema dos resíduos; a hipótese cada vez mais viável da fusão a frio, que pode, em breves dez anos (o que demoraria a lançar o projecto), tornar obsoleta toda a actual tecnologia da energia nuclear. Há que respeitar estas objecções.
Não se pode é respeitar o actual discurso, pelo menos do Bloco de Esquerda, em relação ao Irão. Fernando Rosas, putativamente adversário da opção Nuclear para Portugal, país reconhecidamente pacífico (e às vezes cobardemente pacífico), tem uma opinião diferente sobre a questão iraniana. Aqui já entende que o Irão tem todo o direito a lançar um programa nuclear, isto apesar de este país não precisar da energia nuclear, de ter um presidente que nega o Holocausto, defende a destruição de Israel e tem pretensões de hegemonia regional – havendo por isso legitimidade para todas as suspeições e todas as dúvidas.
Afinal, em que ficamos: a opção nuclear é defensável para Portugal, para o Irão, ou para ninguém?
SUGESTÕES
Um passeio: Guarda – Manteigas – Penhas Douradas – Sabugueiro – Torre – Manteigas – Guarda. Seguimos ao arrepio do trânsito e vemos o melhor que há na Serra.
Uma lição gratuita de marketing: se tiver uma dessas lojas de produtos serranos, por exemplo na Torre ou no Sabugueiro, ponha queijo do bom nas sandes. Talvez assim lhe comprem o queijo, seu imbecil desonesto.
Um livro: Koba o Terrível, de Martin Amis (Teorema 2003). Estaline ordenava a matança de milhões dos seus compatriotas, enquanto Sartre e Simone de Beauvoir o elogiavam em Paris. Conheceriam eles as reais intenções do seu herói? Acredito que não.
Uma ausência: uma posição clara do Bloco de Esquerda sobre a opção nuclear para Portugal.
Por: António Ferreira