Há uns anos, chegava eu à Covilhã quando, logo depois de sair da estrada nacional, me apareceu em contra-mão uma carrinha de caixa aberta. Vinha da direita e nenhum de nós viu o outro. Eu, porque nem me passava pela cabeça que alguém pudesse fazer aquilo. Ele, porque, vindo da direita, se achava cheio de prioridade. É claro que batemos e só não se magoou ninguém porque o choque não foi frontal e eu já ia bastante devagar. Quando ele me apareceu à frente, branco como a cal da parede, perguntei-lhe se alguém se tinha ferido, que os dois carros tinham ficado em muito mau estado. A resposta dele, aparentemente intacto, foi “eu vinha pela direita”. A mulher, que saiu logo atrás, começou aos gritos: “Você vinha a uma velocidade louca, seu assassino!”
Tive a sorte de começarem a parar os carros e entre eles um da Brigada de Trânsito, o que teve o condão, depois de algumas explicações básicas que lhes foram dadas por terceiros, de calar a harpia e deixar o marido de tromba enfiada no chão. Disseram-me depois que era habitual entrarem ali carros em contra-mão, fazendo vista grossa dos sinais de sentido proibido. Na semana anterior tinha havido outro acidente no mesmo sítio, mas dessa vez com mortos e feridos.
Mais tarde, já com outro carro, que o primeiro tinha ido para a sucata, decidi dar uma vista de olhos ao sítio por onde tinham entrado – ligeiramente abaixo do novo Hospital. Era impossível não ver os sinais; era óbvio que aquilo era uma saída e não uma entrada. Só um completo cretino poderia enganar-se naquele sítio.
Nas auto-estradas passa-se o mesmo: há sinalização e os acessos são construídos para que seja óbvio para o condutor distraído que se está a enganar. E, no entanto, enganam-se. De todas as asneiras que se fazem na estrada, esta é das mais perigosas, provocando situações a que mesmo um condutor cuidadoso não consegue fugir. É que a súbita aparição de um carro num sítio onde este não podia estar torpedeia todas as precauções da condução mais defensiva.
Todas? Nem todas. É que quem entra na auto-estrada normalmente não sabe que o está a fazer. Pensa que está a entrar numa estrada com duas vias de trânsito e, por isso, circula pela direita. Se os outros condutores circularem também pela direita, nada acontece, a não ser na eventualidade de uma ultrapassagem. O problema é que em Portugal há demasiada gente a gostar de circular pela via da esquerda nas auto-estradas, em ultrapassagem ou não. O mais terrível disto tudo é que há notícia de acidentes com condutores em contra-mão com a intervenção apenas de dois veículos: um a circular na faixa da esquerda porque sim, porque é um direito que tem, o outro a vir em contra-mão em sentido contrário porque era aquele o dia marcado para morrerem os dois.
Por: António Ferreira