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Eficiência não é continência

Na administração pública, central ou local, existem duas grandes esferas de competências, a técnica e a política, relativamente às quais entendo ser oportuno tecer algumas considerações.

Naturalmente que a competência de decidir pertence à esfera política. Não obstante, muitas das decisões políticas devem assentar em fundamentações técnicas.

Parece-me, então, absolutamente fundamental que exista uma compatibilização das diferentes atribuições dos responsáveis pela prestação de serviço público, no sentido de fazer o melhor pela comunidade em geral que, sem sempre se coaduna com o melhor pelo cidadão em particular.

Por outro lado, parece-me óbvio que os quadros técnicos de um órgão da administração pública não devem ser envolvidos em questões de natureza política. Nesse sentido, os políticos deverão ter bem presente que não devem esperar dos técnicos confiança política mas sim, exclusivamente, confiança técnica.

A democracia permite-nos escolher, ainda que com leques bastante reduzidos de opções, quem colocamos no poder. Os escolhidos adquirem, assim, legitimidade para decidir sobre nós, sobre as leis que nos regem, sobre os procedimentos que devemos tomar, sobre os nossos direitos e deveres. As escolhas são, como sabemos, flutuantes, em função do que a maioria escolheu. É portanto um corpo variável, como variáveis são as políticas que sobre nós incidem.

O outro corpo, o técnico, tem contornos de maior estabilidade, sobretudo na administração pública. Não depende do voto do cidadão. Depende da necessidade invariável desses órgãos serem apoiados por quadros qualificados, nas várias disciplinas sobre as quais lhes cumpre decidir. Apoiam as decisões sobre questões meramente técnicas.

Esta diferença é importante e garante a manutenção das duas esferas de que falei, que jamais poderão fundir-se.

Presumo, então, que um político consciencioso não prescinde de um técnico rigoroso, na medida em que lhe permitirá tomar opções mais suportadas. A tal administração transparente, que todos os políticos apregoam, e bem, consegue-se com a tomada de decisões ponderadas, assentes em pesos de vantagens e desvantagens, tecnicamente apoiadas.

Nesse sentido, o político deverá entender o técnico como a gramática que lhe permite escrever o texto e não como um handicap que o impede de escrever o que lhe apetece e como lhe apetece. Assim, da mesma forma que em termos linguísticos não existe o conceito de “excessivamente correcto” também não se entende que se adjectivem técnicos de “excessivamente rigorosos”. Esse conceito não existe. Ou se é rigoroso ou não se é. Facilmente se imaginam os custos materiais e imateriais de uma decisão política tecnicamente mal assessorada ou simplesmente sem assessoria técnica. Aliás, nem é preciso imaginar.

Entenda-se, ainda, que rigor técnico e burocracia são conceitos diferentes. Admito, e saúdo, que se fale em desburocratização, aligeirando procedimentos. Mas não admito, e condeno, quem defende uma administração menos técnica. Aliás, o processo de apetrechamento técnico dos órgãos administrativos ainda está em curso, ou não fosse a “qualificação” dos recursos humanos uma das premissas da estratégia de desenvolvimento que a administração central levou à UE, envergonhada que está das análises comparativas com outros países da Europa.

Um bom técnico age segundo as suas convicções e conhecimentos, sem prejuízo do respeito pela legalidade. Desta forma, salvaguarda a instituição pública que representa e, consequentemente, os direitos dos cidadãos.

Um bom político reconhece, e aprecia, essas qualidades.

Por: Cláudia Quelhas

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