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«É uma batalha hercúlea combater contra o preconceito popular em torno do cinema português»

Cara a Cara – Entrevista: Luís Campos

P – Em que se inspirou para escrever o argumento do filme?

R – O projecto chegou-me quando ainda se intitulava “Tempo Presente – Memórias de Um Estudante”. A partir de uma ideia de Telmo Martins e Luís Dias (hoje membros fundadores da Lobby Productions – realizador e actor do filme, respectivamente), Jorge Vaz Nande escreveu um primeiro guião que retratava um reencontro de ex-colegas universitários. Como eu próprio tive essa experiência muito recentemente, indaguei sobre qual o motivo mais forte de um possível reencontro de ex-colegas universitários e concluí que seria no funeral de um deles, procurando estruturar a narrativa em torno disso. Tentei, assim, partir de uma suposta tragédia para um reencontro atípico/imoral e um desenlace harmonioso, imaginando como eventualmente poderia suceder com o grupo de amigos que gerei enquanto estudante.

P – O facto de saber que o filme não ia ter subsídios influenciou a forma de realizar o guião?

R – Obviamente que sim. Há sempre limites para a imaginação, quando se tem consciência da correspondência de meios que o filme terá. Por exemplo, a sequência final do filme – do funeral. É de “louco” escrever tal sequência que se desenrola num cenário natural, com chuva e vento artificial, dezenas de figurantes e uma coreografia com o seu quê de “épica”, tendo em conta os meios que tínhamos. Mas orgulha-me essa “loucura”, essa audácia que empregámos neste projecto. Quisemos fazer um filme. Não tínhamos meios? Não conseguimos apoios para o fazer? Paciência. Desistir é que não é solução. Partilhamos todos do mesmo sonho, de fazer cinema. Tenho uma espécie de objectivo pessoal – de devolver o cinema português aos portugueses. É preciso obra para que o público português se reaproxime do seu cinema. Se essa luta se traduzir em não conseguir subsídios que ajudem a concretizar o objectivo, há que procurar outras formas para o atingir. Criatividade também é isto. Arranjar alternativas.

P – Houve muitas alterações à versão inicial?

R – O novo guião teve mais cinco tratamentos, com a inclusão/remoção de cenas. E desse último guião ao que se vê hoje no filme houve várias alterações, que se prendem com a impossibilidade de concretizar algumas cenas (por falta de meios e, consequentemente, de tempo), com divergências criativas, com imprevistos de rodagem, etc. Por exemplo, a sequência do clube de vídeo teve que ser alterada na véspera. Até então era suposto filmá-la num armazém de multimédia, que acabou por retroceder na autorização em cima da hora.

P – Está satisfeito com a adesão do público nas primeiras semanas de exibição?

R – Sim, muito contente. Aos 14 dias de exibição tivemos cerca de oito mil espectadores. Foi a segunda melhor estreia nacional, em 2010, a seguir a “A Bela e o Paparazzo”. Número que, para um projecto nascido da boa vontade das pessoas, é um sinal de apreço tremendo. O facto de termos conseguido uma distribuição em 20 salas pela Zon Lusomundo foi excelente, permitiu essa visibilidade a larga escala que a história do filme merece. Creio, contudo, que o número de espectadores poderia ser muito maior e que o filme conseguiria ainda ser um maior fenómeno. Penso que foi no marketing e na promoção do filme que se reflectiu mais a falta dos subsídios. Infelizmente, um filme que seja independente (isto é, sem o apoio do ICA) perde o direito à promoção nos canais ditos de serviço público. Creio, neste momento, que mais de 95 por cento da população portuguesa ainda não tenha conhecimento da existência do “Um Funeral à Chuva”. Ainda assim, através da Internet, de campanhas de promoção originais e de canais de redes sociais, conseguimos chegar a muita gente. Mas é uma batalha hercúlea combater contra o preconceito popular em torno do cinema português – tivemos episódios de funcionários dos próprios cinemas a perguntarem ao espectador interessado em assistir ao filme se sabia que se tratava de um filme português – e contra os “blockbusters” que dominam a nossa programação cinematográfica. Tenho pena que a distribuidora não se tenha preocupado muito com o auxílio na promoção do filme e, principalmente, que não tivesse mostrado esforços em fazê-lo chegar a outros pontos do país. Esperemos que uma edição em DVD consiga finalmente chegar a todo o público que o desejou ver, num futuro próximo. Ou, sonhando alto, que algum canal televisivo o queira transmitir em horário nobre…

P – Como tem reagido à generalidade das críticas que o filme tem recebido?

R – Tenho reagido bem a todas as críticas. Toda a arte é subjectiva e diferente aos olhos de cada pessoa e tenho tentado ler e saber todas as opiniões num ponto de vista de estudo do fenómeno de recepção nacional. Em termos de reacção popular, tem superado todas as nossas expectativas. Há pessoas que viram o filme três e quatro vezes, outras que se identificam muito com a mensagem que transmite. Temos tido de tudo. Desde análises super bem fundamentadas a vaias sem conhecimento de causa. Infelizmente, na componente da opinião pública intelectual portuguesa, temos obtido uma reacção de “ódio” um tanto ou quanto inexplicável. É triste, na minha óptica, que um filme como este, sem qualquer tipo de pretensão económica e que teve como único objectivo contar uma história simples ao espectador, seja considerado prejudicial à saúde deste. Ou então que se considere que quem assista a este filme esteja a contribuir para um “complot” contra o cinema português. Pelo contrário, tenho esperança que este filme contribua para o início de um esforço global para uma reaproximação do público português com o seu cinema.

Luís Campos

Comentários dos nossos leitores
Antonieta Alves e Pereira antonieta-alves@hotmail.com
Comentário:
Se me permite, o título resultou infeliz. Combater-se contra o preconceito?! Não me parece que haja necessidade de se combater contra o preconceito! Parece-me uma redundância cheia de violências e infracções! Acho, sim, que há necessidade de se informar a opinião pública, de se sensibilizar nos locais devidos, consoante o contexto de cada indivíduo. O nosso país precisa de líderes e de “fazedores” de opinião sem agendas próprias. Combater o preconceito, teria resultado muito melhor, no que toca a frase que intitula a entrevista com o Luís. Obrigada.
 

«É uma batalha hercúlea combater contra o
        preconceito popular em torno do cinema português»

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