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É tempo de defender Portugal

Editorial

Sem surpresa, o governo confirmou a reorganização do mapa judiciário encerrando dois tribunais na região – Mêda e Fornos de Algodres – e passando os de Penamacor e Sabugal à situação de secção de proximidade – uma desclassificação intermédia, até ao encerramento final.

Mesmo sendo verdade que há muito se anunciavam estes fechos e que foram distribuídos por quase todo o país, a verdade é que esta reorganização é consequência de um problema de fundo do país: a falta de coesão nacional. Há quarenta anos que ouvimos falar de correção de assimetrias, mas a verdade é que, como escreveu Santana-Maia Leonardo, Lisboa deixou de ser a Capital do Império da República Portuguesa para se transformar na voraz Cidade-Estado da República de Lisboa que, como Cronos, devora os filhos do seu próprio povo e destroça o sonho de um país como um todo. Quarenta anos em que o poder político instalado em Lisboa, traindo os desígnios de Abril e o sonho de milhões de portugueses de viverem num país equilibrado, transformou Lisboa num imenso eucalipto sugando e desertificando todo o território nacional. As gentes da Beira, como os trasmontanos ou os alentejanos, partiram deixando para trás a pobreza, a miséria e o abandono a que o país os votou. Não o País como um todo, mas o país de Lisboa, a Capital de um Império lúgubre, que morre devagar às mãos de governantes incultos e sem memória. Portugal não é, não pode ser, um pequeno retângulo delimitado a norte pelo Douro, a sul pelo Tejo, a leste pela A1 e a oeste pelo Atlântico – as fronteiras da Cidade-Estado de Lisboa. O resto é paisagem, ou o deserto, como com desprezo disse o antigo ministro Mário Lino. Por cada serviço que se encerra no interior do país cria-se um novo serviço no litoral; por cada emprego que se destrói no interior, nasce um novo posto de trabalho em Lisboa… E o ciclo não se fecha. Encerram-se escolas, estações de correios, estações de caminho-de-ferro, urgências, centros de saúde, tribunais, finanças… e tudo o mais, porque o Estado só investe em Lisboa, onde paga milhões pelos prejuízos de empresas públicas, onde gasta milhões em serviços públicos, mas onde emprega, por entre todos os custos e prejuízos, milhares de pessoas cujos empregos podiam ser noutras cidades ou regiões do país.

Os portugueses aceitam tudo com resignação, mas não deixam de murmurar, e o murmúrio vai subindo de tom, contra as políticas de empobrecimento, mas também contra o ostracismo e desmantelamento do país como um todo, que sucumbiu às mãos de políticos reféns de interesses e da sua própria inconsciência. Enquanto vemos governantes ancorados na sua vanidade; enquanto temos deputados prostrados pela sua inutilidade; enquanto vemos dirigentes deslumbrados pela sua imbecilidade, calamos…

Não, não podemos continuar a permitir que nos encerrem tudo; não podemos continuar à espera que nos expulsem da nossa casa e partamos, por não ter mais a que nos agarrar; é tempo de sermos resilientes e protestar, é tempo de cantar Alegre, «mesmo na noite mais triste», porque «há sempre alguém que resiste, há sempre alguém que diz não!». Ou, como escreveu Valter Hugo Mãe, não é tempo de acreditarmos no que quer que seja, mas também já me passa pela cabeça que um destes dias alguém vai ser capaz de mobilizar a maioria para mudar alguma coisa.

Luis Baptista-Martins

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