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E se a teta secar?

Nascemos maus. Mauzinhos que nos fartamos. Transportamos milhares de anos de evolução nos genes. E como é indiscutível temos evoluído sempre à custa de exercermos o nosso domínio na natureza. Predadores das outras espécies, fomos sempre subindo degraus no topo da cadeia alimentar até chegar aqui.

Agora teremos um novo salto evolutivo pela frente, quase no limiar dos recursos naturais, com milhares de espécies comestíveis ou não já extintas, com as florestas já transformadas em produtos celulósicos a que limpamos o rabo e fabricamos um mundo colorido, restam-nos duas alternativas. Ou saímos do calhau, o quarto a contar do sol e arranjamos novas presas e colonatos na galáxia que nos encham a barriga e o orgulho de sermos os mais espertos seres do universo, ou o que é mais provável ficamos por cá e arranjamos outro hospedeiro para parasitarmos. Certo é que ao ritmo da nossa gula a única espécie disponível em abundância para comermos somos nós próprios o que indicia um desenvolvimento evolutivo que nos torne aptos para a auto-fagocitose ou para nos comermos uns aos outros pervertendo o mandamento “amai-vos uns aos outros”.

É por isso que digo que nascemos geneticamente maus, preparadinhos para enfiar os dentinhos no mundo e sobreviver dando dentadas à esquerda e à direita, ruins como a pele das cobras.

Uns mesinhos depois dos apertos no canal de parto e da palmada nas nádegas para começarmos a respirar este O2 cada vez mais insuficiente, começamos logo a alimentar-nos das outras espécies. Como diz Kundera, no compêndio de zoologia de um extra-terrestre que estudasse aqui o calhau, o homem seria catalogado como um parasita da vaca! Nem mais!

Não passamos de parasitas da vaca!

Deixada a mama da mãe em paz ou a latinha de leite maternizado agarramo-nos à teta da vaca até ao fim da vida. Não se excluam da categoria de parasitas da vaca os intolerantes ao leite da mesma, não se agarram à teta mas agarram-se ao lombo, à picanha, à tripa… eu sei lá!

Obviamente não pretendo com esta prosa fugir à filogenia e consequente taxonomia do compêndio do marciano. Estou lá no meio dos outros parasitas da vaca. Apenas digo que sem cair na redundância de Mahatma Gandhi, que diz: “Nada que fuja ou resista serve para a nossa alimentação”, poderíamos ser mais conscientes da preservação do 4º calhau a contar do sol, afinal é o nosso lar e o lar das vacas também. Podem ter a certeza que por este andar, quando se extinguirem as vacas nós também não ficaremos cá muito tempo. Começaremos a olhar desconfiados para os vizinhos com melhor dentadura. Será o nosso fim.

Sim, é verdade que dificilmente as vacas se extinguirão, produzidas à medida das nossas necessidades em bife. Será assim? Atentem nisto, pois este é o objetivo da crónica… A vaca aqui é apenas um elemento simbólico. Funciona como o paradigma do recurso inesgotável sem nos lembrarmos que não nos limitamos a parasitar apenas a vaca mas tudo o que está abaixo dela na cadeia alimentar, ouvimos hoje que a água não é afinal um recurso infinito e renovável. Da forma como a usamos resultará se nada for feito, uma extrema carência dela no final do século. Há quem diga que será mais escassa que o petróleo se não em quantidade pelo menos em qualidade.

A minha proposta é simples, consciente que dependemos da vaca e não conseguimos largar-lhe a teta, pelo menos saibamos conservar o ambiente em que se alimenta o nosso hospedeiro. É urgente estabelecer ao nível individual, institucional, e governamental políticas de poupança, eficiência e armazenamento do líquido vital.

Manter o planeta em tom azul está apenas nas nossas mãos. É preciso fazer uns intervalinhos no nosso apego à teta e arranjar forma de manter o lameiro verde, caso contrário a teta secará um dia.

Acreditem… estar atento à torneira da água em casa, é um bom passo para manter cada um a sua vaca dedicada e disponível!

Poupem água por amor de Deus!

Por: Júlio Salvador

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