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É para partir isto tudo

Acabou-se a conversa, a estratégia, as borboletas e os ventos de mudança. O Banco de Portugal escolheu uma administração do Novo Banco para atar e pôr ao fumeiro. Não é gente melhor nem pior do que quem lá estava, é gente adequada à missão de vender. Uma tropa que entrará no banco como Chuck Norris entrava no Vietname para resgatar reféns, de pinturas de guerra e botas cardadas. Depois da chacina, cada um voltará à origem para beber Martini.

Há alguma encenação, como quase sempre há, na “operação Novo Banco” que foi montada este fim-de-semana. É como Obama, que anuncia as táticas de guerra antes de dispor tropas no terreno. Mas aqui o principal objetivo terá sido criar um efeito espetacular que anulasse, mediaticamente, o fracasso da solução anterior, que foi construída em cima de um equívoco. Não há gente mais séria que Vítor Bento, financeiro em maior ascensão que Moreira Rato nem gestor com mais provas dadas que José Honório, o problema nunca foi esse. O problema foi terem posto maratonistas a correr provas de sprint.

Eduardo Stock da Cunha é demasiado tio para ser Chuck Norris e é obviamente uma escolha tida ou consentida por António Horta Osório, um homem cujo ascendente através dos descendentes da sua gestão é incontornável: o presidente do Lloyds trabalhou com os líderes de mais de 60% do setor financeiro português: Nuno Amado (BCP), Stock da Cunha (Novo Banco) e Vieira Monteiro (Santander). Não há escolas mais diferentes que a de Salgado e a de Horta Osório, pelo que, agora sim, há um corte em relação ao velho BES. Esta gente que agora entra dificilmente será surpreendida pelos vícios que vai encontrar debaixo dos tapetes: já os conhece.

Quando se entra num banco para vender depressa, não se desenham estratégias de longo prazo, comandam-se as tropas no campo de batalha. Ataca-se imediatamente o crédito, para manter serviços a funcionar na relação com os clientes, e estanca-se custe o que custar (usando taxas de juro e relações comerciais) a saída de depósitos. E corta-se custos. Ora, José João Guilherme é talhado para assumir a frente da rede comercial, Vítor Fernandes, que já tem muitos anos de gestão de crise (no BCP), há-de ficar com o risco de crédito, Jorge Cardoso com a gestão de liquidez – e todos cumprirão a comissão de serviço para que o futuro do Novo Banco seja torná-lo passado. De preferência, vendendo em bloco. No limite, retalhando. Possivelmente, vendendo dentro do próprio sistema, daí falar-se já no Santander e no BPI, dois bancos que são suficientemente pequenos e descontaminados e que, estando em Portugal, têm uma pujança de capital sobretudo espanhola.

Chegados aqui, é preciso desembaciar o vidro da euforia com que a nova administração foi anunciada. O trabalho é difícil para quem gere e duro para quem é gerido. E em todos os processos de venda há alçapões, que é muito mais fácil disfarçar quando há pressa. A venda apressada vai permitir fechar o dossier mas ao mesmo tempo deixar claro o prejuízo depois de uma injeção de quase cinco mil milhões de euros. E uma gestão que será avaliada pela velocidade e preço de venda não tem incentivo de construir, mas de controlar a destruição.

Voltaremos a este assunto ainda esta semana aqui no Expresso Diário. Para já, fica a anti-clímax: chamem-lhe mau feitio mas já andamos fartos de predestinados anunciados que depois se queimam ou são queimados, sobretudo pelo Governo de Passos Coelho, que faz de conta que nunca ouviu falar de Chuck Norris mas sabe todas as técnicas com que Neo se esquiva às balas no Matrix. O Matrix, como sabemos, é o sistema. E este é o nosso.

Por: Pedro Santos Guerreiro, Diretor-Executivo do Expresso

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