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É o sistema!

Crónica Política

Encontrei há dias o Zé. Já não o via desde os tempos da faculdade. O Zé demorou o dobro do tempo no percurso de um curso que não sei como concluiu, pois dedicou-se com muito entusiasmo às tarefas e lutas estudantis, que o ocuparam e serviram de curriculum, que exibe com galhardia.

Tão garboso curriculum abriu-lhe as portas da política. Primeiro no partido, depois nos gabinetes dos ministérios e também como deputado à Assembleia da República. Passou ainda discretamente como assessor no Governo e está agora num qualquer serviço público.

Contou-me como as lutas estudantis lhe revelaram o génio, como lhe ensinaram a construir e a tecer uma rede de cumplicidades, a esgrimir com dureza os argumentos, a obter sempre a melhor foto, a escolher intuitivamente a família política, a perseguir os seus objetivos com astúcia, a afastar pela intriga e sem escrúpulo o incómodo dos adversários.

O Zé só conheceu um patrão, o Estado, que sempre pagou a horas, generosamente, a sua dedicação. Desdenha o papel empreendedor dos empresários, a que chama de reles representantes do capital, nunca teve necessidade de avalizar um empréstimo, nunca sentiu a angústia de não ter tesouraria no final do mês para satisfazer compromissos.

Diz isso, com orgulho. Não há como ter o Estado como patrão. Por isso levou para lá a mulher e o filho que comungam com ele do mesmo fervor. Sente-se ungido por trabalhar para o Estado, é um defensor do serviço público, tem como adquirida uma generosa reforma. Nunca trabalhou ao sábado, nem ao domingo, nem nas pontes, nem nas férias, que é tudo terreno sagrado.

O Zé nunca teve uma visível inclinação para o estudo, mas diz com graça que adquiriu pelo uso o estatuto de intelectual. Naturalmente que o Zé tem ideologia. É do sistema!

É um defensor do serviço público. Tem aversão ao capital, mas não desdenha os seus favores. Defende o consumo, políticas públicas de massivo investimento, é contra a austeridade e a obsessão pelas boas contas. Olha para as crises económicas que a dívida gera como uma consequência necessária.

O Zé acredita no sistema, nas virtudes do partido, sabe que o Estado tem uma máquina bem oleada pelo ódio ao capital, pela inveja, que dispara primeiro e pergunta depois, com o nobre objetivo de manter o emprego político de várias gerações de fiéis amantes e defensores do serviço público.

Mas confessa, algo envergonhado, a sua tentação pelos bons carros alemães, o relógio de conhecida marca, as roupas exclusivas, o champagne francês e os almoços em restaurantes da moda. Mas tudo isso não põe em causa as suas convicções e o orgulho de pertencer ao sistema.

Viva o Sistema!

Por: Júlio Sarmento

* Ex-presidente da Distrital da Guarda do PSD e antigo presidente da Câmara de Trancoso

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