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É mesmo aquilo que parece

«Na política, o que parece é», disse António de Oliveira Salazar. Se é verdade que esta expressão pode pecar por excesso porque, se por vezes o que parece não é bem assim, nas mais das vezes aquilo que na política aparenta sê-lo acaba por ser confirmado mais cedo do que tarde. Por isso, a expressão de Salazar mantém uma atualidade “frustracionalmente” (o português é uma língua viva e os neologismos estão em constante mutação evolutiva) precisa. Os últimos 15 dias foram clarificadores. Poucos e bons, diria Salazar vendo a sua tese confirmada. Longos e tristes dirão aqueles que têm por hábito ler jornais e seguir a política nacional.

A impaciência de Portas enquanto aguarda pelo minuto zero do seu relógio decrescente ultrapassou o tic-tac, sobressaltou-se e transformou-se em vontade de cantar vitória à recuperação económica portuguesa. Chamou às «exportações portuguesas o porta-aviões da recuperação do país». Quis mostrar que Portugal está no bom caminho apesar dos danos colaterais que considera coisa do passado. Mas tinha de vir o desmancha-prazeres do FMI dizer que as condições económicas que permitiram a pequena inversão serão, muito dificilmente, repetíveis. Será que Salazar se engana e pelo caminho também fui ao engano? Aquilo que parecia ser a recuperação económica afinal não o é, logo o que parecia ser não o é, certo? Errado. O que parece ser conversa fiada eleitoralista, que começou no congresso do CDS e se prolongou no relógio que nem nas horas batia certo é mesmo isso – conversa fiada. No próximo ano e meio há duas eleições.

No parceiro de coligação apareceu o líder parlamentar Luís Montenegro. Na sua cândida inocência, afirmou que «o país está melhor mas os portugueses não». Aquilo a que todos os analistas chamaram “gaffe” terá sido um momento de pura sinceridade de Montenegro? Deleitado com a importante ocasião e empurrado pelo entusiasmo em torno da inversão festejada por Portas, terá tentado explicar que apesar da indigência a que os portugueses foram sujeitos, o “país!” está no bom caminho e isso é bom para todos? Salazar outra vez errado? Montenegro apressou-se a explicar o contexto da força de expressão. Afinal, aquilo que parecia uma “gaffe” era uma opinião séria e ajustada à realidade? Lamento, mas a resposta é a mesma. Não. Para Montenegro, o país está mesmo melhor. No seu entender o país e os portugueses não é a mesma coisa (ó contradição nos termos!). A economia pode crescer e as condições de vida dos portugueses piorarem. Mas que importa desde que haja tecnoformas e disponibilidade de financiamento para projetos amigos dos amigos. Os portugueses não entram na equação. Avançar nas sondagens e estar próximo de conquistar e manter o poder é que conta.

A consequência é o afastamento dos cidadãos da coisa pública. Distinguem a treta da realidade. Têm bolsos vazios e frigoríficos depenados. O tic-tac até à saída da “troika” vai ser mais do mesmo. Os portugueses sabem disso. Pode parecer que não sabem, mas todas as regras têm uma exceção.

Por: David Santiago

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