Paira no ar a nostalgia do fim de férias. Do tempo em que não se faz nada e… fez-se tanto. O tempo em que os horários não contam e as rotinas são quebradas, esquecendo quase tudo. Foi o tempo de banhos retemperadores, das festas, do reencontro, da família, dos gestos mais simples, entre os quais, situo o prazer e a empatia gerada com a planta, a flor, que estivemos a regar. Foi (mais…) tempo de leitura, de descoberta. Este ano foi também tempo de muito desporto, poucas medalhas e polémica a mais.
Retenho, destes dias, a participação na sessão cultural promovida pela Associação Casa de Cultura Professor Dr. José Pinto Peixoto, na Miuzela. Porque entendo a todos os níveis louvável e sinal de vitalidade, também cultural, a aldeia fazer questão, entre outras, de com esta associação e tipo de actividades, relembrar e perpetuar um dos seus filhos, que maior projecção mundial conseguiu. O Professor Carlos Fiolhais, também ele eminente físico da Universidade de Coimbra, deste país, e do mundo, na comunicação que apresentou “A Terra está mesmo a Aquecer?…” pretendeu com a abordagem ao tema, actual, e matéria tão querida do Professor Pinto Peixoto, da qual foi um dos pioneiros a nível mundial, homenagear esse vulto da ciência. Ele seria, segundo referiu caso estivesse vivo, um dos cientistas mais em destaque aquando da elaboração do “Protocolo de Quioto”. Ainda assim, os seus estudos estiveram na base de muitas das preocupações, vertidas nesse protocolo.
Entendeu a Associação, este ano, abordar aquela temática e, porque está a recuperar uma construção para sediar a instituição, seria oportuna outra temática à volta da reabilitação. Foi nesse contexto que apresentei, com o maior prazer, a comunicação com o título “A importância da Preservação do Património Arquitectónico Rural Tradicional”. Entre outros, fiz questão de sensibilizar para os temas, reabilitar em vez de construir de raiz; a importância da preservação das formas de fazer (bem…)e sua transmissão a gerações futuras; a qualidade do espaço em detrimento da quantidade de espaço; o património, não só o monumento mas também o sitio, o conjunto edificado; a importância dos locais e das intervenções, enquanto factores de identidade de orgulho e capazes de fixar populações.
Já que estamos a falar de Património, fiz, e aconselho vivamente, uma viagem ao “…ultimo paraíso do planeta…”, os Açores. No caso às ilhas de S. Miguel e Terceira. É impossível ficar insensível à beleza da paisagem, do edificado, das gentes e da gastronomia. Da paisagem natural, direi que é uma benesse para a vista e para a mente. Dela sobressaem a topografia, o verde, as vedações, algo parecido com uma extensa manta rendilhada, em hortenses, no caso de S.Miguel, ou em pedra vulcânica na Terceira; as vacas (muitas e felizes…), a sensação de estarmos tão próximos do calor da terra que brota pontualmente, e as lagoas, tudo, sempre com o mar presente. Da paisagem mais humanizada, ressalvo as formas de ocupação do território. Nos aglomerados, muitos e de dimensão variável e quase sempre em diálogo com o mar, realidade mais visível em S.Miguel, as construções, de baixa volumetria, agarram-se ao local de forma orgânica, fazem parte dele, dialogam nas formas, nas cores, nas texturas. Das cidades, centenárias, sobressai o equilíbrio, a globalidade e complementaridade, percebendo-se e afirmando-se as épocas e linguagens, sem dissonâncias desnecessárias…Ressaltam ainda no desenho das fachadas as varandas, os vãos, os sombreamentos e as cores, tudo isto, muito bem mantido, não se registando praticamente construções degradadas ou devolutas, pontuadas por uma limpeza notável. Também aqui o azul (do céu e do mar) ou o verde, funcionam como fundo, que faz sobressair todos os recortes e evidências referidas. Ponta Delgada, Praia da Vitória e a jóia da coroa, Angra do Heroísmo, cidade com Centro Histórico Património da Humanidade, atestam o que referi. Angra do Heroísmo, a par de Guimarães e Évora, os três Centros Históricos, Património da Humanidade, são conjuntos notáveis em termos de fundação e traçado, equilíbrio nas formas e volumes, cada, com linguagens muito próprias e identitárias, mas, atrevo-me a referir que Angra mostra-nos, para lá de tudo, uma palete de cores notável, utilizada com critério, numa exaltação de como esta, a cor, é importante na arquitectura.
Como as ilhas são pequenas, S. Miguel terá no seu eixo maior aproximadamente 60Km e Terceira 40Km, e porque é difícil perdermo-nos numa ilha…experimentem partir a pé e de automóvel à descoberta (também das pessoas e dos pratos de peixe ou carne, das iguarias doces, tudo acompanhado dos vinhos regionais). A cozinha do restaurante Colmeia em S. Miguel é algo a não perder (pelos vistos as Colmeias primam sempre pela qualidade…)
As leituras não são um exclusivo de férias. Porque tem a ver com a temática “a terra está a aquecer?…” quando quiserem, aconselho a leitura de “O Sétimo Selo”, do familiar jornalista, José Rodrigues dos Santos, edição da Gradiva. O autor leva-nos a uma viagem pelos meandros dos combustíveis fósseis (dos quais extraímos a gasolina) da dependência da humanidade, desses mesmos combustíveis, e dos perigos (entre eles o seu fim…) que resultam do actual consumo, em grande escala.
Por: Aires Almeida