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Dói a alma

Entrementes

Não pode um bom cristão deglutir uma refeição em paz se mantiver a caixinha mágica ligada entretanto. Bem sei que esta não é uma verdade de hoje… Mas foi quando andava às voltas com o que escrever neste cantinho que, como dizem os nossos irmãos de além-Atlântico, me arrumaram, que a reportagem caiu.

Não que fosse uma surpresa… Já há longo tempo que se sabia. Qualquer um de nós conhece alguém, ou o primo da tia de alguém, que, num repente, se viu na situação.

Estava pois um bom cristão a almoçar e eis senão quando o apresentador de um dos blocos informativos anuncia que muitos estudantes universitários desistiram dos respetivos cursos por falta de liquidez financeira, sua e dos seus progenitores, para continuarem a suportar as despesas.

Como atrás referi, nada de novo. Ou quase nada. Novidade é que agora os entrevistados dão a cara sem medo de serem apontados a dedo na rua. Perceberam que são apenas um entre muitos outros a quem esta espécie de país escorraça das faculdades negando-lhes um direito constitucionalmente consagrado. Mas, e o que é isso da Constituição quando até já houve quem propusesse a sua suspensão por um período de seis meses?…

Novidade agora é ver as lágrimas de uma jovem a quem custa ouvir a mãe pedir desculpa por não poder continuar a suportar as suas despesas na universidade. Novidade é ouvir da boca de um ex-universitário forçado que teve de desistir porque lá em casa são seis irmãos e os pais ficaram desempregados. Novidade é, em pleno século vinte e um, estarmos a recuar até tempos de há cinco décadas atrás quando o ensino universitário era para uns poucos que o podiam pagar. Novidade é estarmos a regressar aos tempos em que as elites cultas o eram com base nas contas bancárias das respetivas famílias.

Novidade maior é não se ver uma luz, pequena que seja, ao fundo do túnel. Novidade, ou talvez não, é também não haver ninguém do elenco governativo com responsabilidades na área, nem que fosse a secretária da secretária do senhor ministro, vir a terreiro e dar uma palavra de conforto e de esperança a estes jovens.

Tenho duas filhas estudantes universitárias. Por enquanto, não sei até quando, ainda não necessitaram, felizmente, de recorrer a apoios estatais para continuarem a sua formação. Não sei como reagiria se um dia viessem a necessitar de interromper a sua formação por não poder assegurar que continuassem…

Interromperia o pagamento de impostos?… Não cumpriria com os descontos para a segurança social?… Comeria pão e fruta, se a houvesse por aí nos campos?… Assaltaria o galinheiro do vizinho para garantir uma sopa na mesa?… Viraria assaltante de bancos?… E alguém se atreveria a condenar-me legitimamente por isso?…

É que dói a alma e sabe-se que a dor de alma pode levar a desvarios os mais tenebrosos. Infelizmente ela, a alma, só dói a quem a tem… Ou não?…

Por: Norberto Gonçalves

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