Usa-se a expressão “direitos adquiridos” para traçar uma fronteira irredutível, um ponto atingido de que se não pode regressar. A expressão tem sobretudo um conteúdo político, programático, mais do que técnico. A aquisição de um direito tem de estar prevista na lei, tal como a sua perda, ou a sua restrição, e para o Direito não existem direitos irredutíveis no sentido que os políticos usam com tanta facilidade senão aqueles considerados fundamentais como, por exemplo, o direito à vida, a liberdade, a igualdade perante a lei. Este último, então, tem potencialidade para pôr em causa a própria noção de direito adquirido no sentido que habitualmente lhe é dado, de patamar atingido e do qual se não pode baixar. Como, numa sociedade em que são repartidos bens escassos, se podem estes garantir de modo irredutível a uns sem os negar total ou parcialmente a outros?
O que se não pode defender ética ou logicamente defende-se muitas vezes através da sacralização do titular do invocado direito: por isso se pretende penalizar de novo, por exemplo, os salários em atraso. Era até há pouco punida com pena de prisão até três anos a falta de pagamento de salários quando o empregador se fizesse remunerar. Se pensarmos no caso da típica micro-empresa, com patrão e um ou dois empregados, apenas através da sacralização do salário se podia considerar criminosa a actuação do patrão que divide com os funcionários os rendimentos disponíveis (hoje já não, desde que o empregador não receba uma percentagem superior à dos trabalhadores).
Com aquilo a que se chama direitos adquiridos pretende obter-se o mesmo, garantido a uns, mesmo que não haja de todo, o que se não pode assegurar a toda a gente ou mesmo à maioria. Cabe perguntar onde está isso escrito, onde está a norma que garante por exemplo que os horários de trabalho não podem aumentar e as férias não podem diminuir (desde que nos limites da lei), mesmo que tal seja absolutamente necessário para a sobrevivência da empresa. Imaginemos o caso de uma empresa que unilateralmente cumpre um horário semanal de 35 horas, ou concede 30 dias úteis de férias. Pode ou não pode alterar, também unilateralmente, essas condições? Se constassem de contrato tinham de ser respeitadas; sendo estipuladas unilateralmente, podem ser mudadas por simples vontade da parte que as estipulou – e isto é o que a maior parte dos que falam sobre direitos adquiridos ignora.
Por: António Ferreira