Quem defende a legalização da eutanásia impôs um slogan autoritário e preciso que afasta autenticamente quem se opõe com objecções jurídicas, filosóficas ou morais. Refiro-me, claro está, à expressão “direito a morrer dignamente” que os defensores da eutanásia utilizam como um eufemismo e cujo uso já contaminou a linguagem coloquial.
Quando dizemos “direito a morrer dignamente” ditamos, por pura e simples eliminação, que aquelas pessoas que decidem suportar a dor ou os impedimentos físicos morrem “indignamente”. Assim se estabelece, com esta sumária caracterização que permitem as imagens, no recente filme de Alejandro Amenábar, “Mar Adentro”: se em verdade o propósito do filme tivesse sido – como realça a publicidade – celebrar a capacidade decisória do homem que resolve soberanamente se a sua vida merece ou não ser vivida, a opção da personagem interpretada por José Maria Pou ter-se-ia mostrado tão respeitável – tão digna – como a do protagonista encarnado por Javier Barden. Mas, em vez de ajudar a compreender, na sua diversificada complexidade, as diversas atitudes com as que uma pessoa agonizante ou maltratada enfrenta a sua própria morte, o filme incorre num maniqueísmo demasiado selvagem, caricaturizando a personagem que prefere continuar a viver e a elevar aos altares da santidade laica o que decide “morrer dignamente”, à base de um “copito” de cianeto.
Cada vez que, por preguiça ou perfídia, se fala do “direito a morrer dignamente” está a confinar-se ao ostracismo quem, prostrado num leito ou atado a uma cadeira de rodas, resiste ao suicídio e suporta as incomodidades… Já para não falar naqueles que os assistem abnegadamente. Assim, resistir à morte, esforçar-se por viver e sobrepor-se ao sofrimento pode converter-se numa “indignidade” própria de “gente esquisita”, e quem professa esta forma de coragem acaba por ser qualificado de fardo que a sociedade carrega com desgosto e fastio. Hoje conforma-mo-nos em aprisioná-los num “gueto” de “indignidade”, talvez amanhã arbitremos os mecanismos legais para lhes administrar por “obrigação” uma morte “digna” e “sem dor”.
Carlos Tavares, Guarda