Arquivo

Dinheiro, políticos, aldrabões e otários

Crónica Política

Agora há “dias” para tudo e para mais alguma coisa. Há o dia da mulher, do homem, da criança, dos avós, dos leprosos, da tuberculose, das zonas húmidas, etc. Uns são mundiais, outros internacionais, outros são nada. E podem ser a favor, contra ou absolutamente neutrais. Recentemente comemorou-se o Dia Internacional contra a Corrupção. Isso mesmo, explicitamente contra, para evitar confusões.

Fiquei a saber que até existe uma convenção da ONU contra a corrupção! É o mais completo e abrangente instrumento internacional juridicamente vinculativo nesta matéria prevendo, entre outros aspetos, a sua criminalização – quer no setor público, quer no privado – e de outros comportamentos que lhe estão associados, como é o caso do branqueamento de capitais e da obstrução à justiça. Além disso, inclui disposições sobre cooperação interna entre as diferentes autoridades nacionais, e cooperação internacional, nomeadamente sobre auxílio judiciário e extradição, instando também os Estados a prestarem assistência técnica a outros Estados que a requeiram.

Todos sabemos que a corrupção é um crime grave que prejudica o desenvolvimento económico e social de todas as sociedades. Nenhum país, região ou comunidade se encontra imune aos seus efeitos. Ora, nem de propósito, regressou às páginas da comunicação social o caso da operação Fizz. A história conta-se em poucas palavras. Em abril de 2011, o vice-presidente de Angola adquiriu um apartamento no Estoril pela módica quantia de 3,8 milhões de euros. Uns meses depois o Ministério Público instaurou um inquérito-crime porque a transação não havia sido comunicada ao abrigo da Lei do Branqueamento de Capitais. No mês seguinte, um determinado procurador do Ministério Público abriu uma conta bancária numa filial portuguesa do banco angolano BPA, tendo-se “esquecido” de comunicar – como decorre da lei – esse facto ao Banco de Portugal.

Dois meses após a abertura da conta bancária foi distribuído a esse procurador o processo do tal vice-presidente de Angola. Por coincidência, foram depositados na sua conta 130 mil euros. Em poucos dias, o processo contra o político angolano foi arquivado por «manifesta ausência de provas». Afinal, a dificuldade não estava apenas em informar o Banco de Portugal, estava também em conseguir encontrar provas…

Como um fenómeno nunca vem só, na mesma altura a conta do procurador em causa recebeu um outro depósito de 170 mil euros, com origem na mesma entidade da transferência inicial, a saber, uma empresa participada da Sonangol, dirigida durante anos pelo político angolano. No total, 300 mil euros…

O procurador terá ainda aceitado funções de consultoria a prestar no Banco Comercial Português que, como se sabe, tem a Sonangol como maior acionista. De seguida requereu uma licença sem vencimento, de pronto indeferida pelo Ministério Público, que exigiu explicações sobre o futuro profissional do “colega”. O procurador negou-se a dá-las e defendeu-se com a existência de um contrato de confidencialidade. A licença acaba por ser-lhe concedida com efeitos a partir de setembro de 2012, tendo o ex-procurador assumido funções praticamente de seguida no BCP. E mais tarde também no ActivoBank, ligado ao BCP e a Angola. Em defesa do ex-procurador eis que saltou para a praça Pinto Monteiro, o patrono dos vários casos que envolveram José Sócrates, a colocar as mãos no fogo pelo seu colega procurador – que, para nossa vergonha e certamente da ONU, se encontra agora em prisão preventiva.

Diderot, um dos pais da Revolução Francesa, escreveu um dia que «em qualquer país em que o talento e a virtude não produzam progresso, o dinheiro será a divindade nacional». Ninguém melhor para o venerar do que um banqueiro. E se dúvidas houvesse, foi mesmo o maior de todos eles, a quem um dia chamaram o “dono disto tudo”, durante uma reunião de família em que se discutia a alegada má divisão dos milhões do negócio dos submarinos, quem afirmou: «Só vejo aldrabões à nossa volta»…

Por: Jorge Noutel

Sobre o autor

Leave a Reply