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Dias D

Ladrar à Caravana

Escrevo umas linhas para celebrar o dia D, um dia que há sessenta anos atrás nos manteve abertas as portas da liberdade. Graças, em grande parte, aos milhares de jovens americanos que morreram nas praias e por toda a região da Normandia. Quanto estive no cemitério americano de Omaha Beach, senti uma autêntica patada emocional perante a visão de 9000 lápides em mármore branco, alinhadas como numa parada militar, silenciosas, simples, dignas.

O primeiro pensamento que formulei perante aquele espectáculo foi “é isto a carne para canhão”. Mas depois compreendi, conversando com a minha mulher, que sob cada lápide daquelas está de facto um homem morto, um jovem de 18, 19, 20 anos, que perdeu a vida por algo tão sublime e fugaz como é a liberdade. Esta liberdade que eu tenho de dizer e escrever o que me apraz, sem medo de receber uma visita às tantas da madrugada. Um homem, milhares de homens, que abdicaram da vida para nos proporcionarem esta que temos.

De algum modo sinto que lhes devo tanto ou mais do que aos meus pais.

E portanto, independentemente de eu não gostar nem um bocadinho do actual presidente dos Estados Unidos, e considerar que por causa dele e da rapaziada que o rodeia e das mentiras que forjaram estamos a viver dificuldades desnecessárias, mesmo assim, separando o trigo do joio, este antiamericano primário diz, celebrando o 6 de Junho de 1944, thank you America.

Estamos na recta final de mais um ano lectivo. Começam agora as correrias, as aflições com a matéria não estudada, as frequências em catadupa, as pedinchas de clemência, os apelos ao coração para não dar cabo da média, para não perder a bolsa. As incontáveis avós que morreram ao longo do ano para justificar a ausência das aulas, os trabalhos entregues fora de prazo, feitos com os pés, ou encomendados a alguém. Numa altura em que já se suspira por um descanso, uma nova avalanche de trabalhos e testes para avaliar, reuniões, reclamações, faz um tipo pensar se valerá a pena continuar a investir tanto esforço, se valerá a pena o tempo próprio, pessoal, familiar, que se desperdiça nestas actividades.

Vale. Pelos dois ou três bons estudantes que sobram de cada ano. É por esses que vale a pena o esforço. Os outros, já se sabe, são apenas o lastro que mantém as escolas abertas.

Por: Jorge Bacelar

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