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Diário Interior

1 de Outubro

Começam as aulas para os alunos do primeiro ano na minha universidade e, consequentemente, as praxes. Os alunos mais velhos, sempre tão conscientes dos seus direitos no que respeita à mais ínfima questão administrativa, estão-se absolutamente nas tintas para os direitos daqueles que acabam de chegar, atarantados e receosos, a um mundo desconhecido. Enquanto as nossas universidades produzirem todos os anos este triste espectáculo, teremos a certeza de viver no terceiro mundo.

2 de Outubro

Vejo Ken Park. Custa-me escrever a frase seguinte, mas faço-o pela verdade. Não concordo com João Lopes. Não gostei do filme. Ao contrário de Kids, não há ali o registo quase documental que dava veracidade ao primeiro filme. A amoralidade inconsciente e quase pueril dos personagens do filme anterior dá lugar a uma imoralidade reconhecida por cada personagem acerca de si próprio. E já não há pachorra para a figura do machão que é, afinal, homossexual reprimido. Para ver sexo e clichés, basta-me o Big Brother e nem é preciso sair de casa.

4 de Outubro

Haifa. Restaurante Maxim. Uma explosão assassina da Jihad mata 19 pessoas. Israel ataca uma base da organização terrorista na Síria. A União Europeia condena a acção militar israelita e “lamenta” o atentado. Se fosse pela Europa, Israel podia desaparecer sob o Sinai. O Ocidente afunda-se vagarosamente na vergonha de ser Judeu e ser Cristão.

5 de Outubro

Em sondagem da Universidade Católica, o jornal Público revela que mais de metade dos portugueses querem que o Papa resigne. Sou agnóstico, logo não-católico. E verifico, sem grande espanto, que a maioria daqueles que desejam a abdicação de João Paulo II são também eles não-católicos. Esta mania de exigir a separação entre a Igreja e a “sociedade civil” só funciona de dentro para fora. A Igreja reflecte sobre o mundo e os ateus agitam-se, mas estes sentem-se no direito de opinar sobre tudo quando se lá passa.

O Papa, velho e doente, não envergonha a Igreja. Pelo contrário, a aceitação da doença e da velhice dignifica a Vida e os milhões de crentes que representa. Só envergonha aqueles que pensam que a Igreja (a Católica ou qualquer outra) é uma espécie de clube recreativo onde as pessoas passam momentos divertidos. Só embaraça quem preferia que o Papa fosse uma pop-star, e esses não são, em boa verdade, católicos. E por isso não têm o direito de meter o bedelho.

7 de Outubro

Hoje a Califórnia vai às urnas decidir se demite o governador Gray Davis. Se assim acontecer, escolhe também o seu sucessor no cargo. Na imprensa de esquerda (passe a redundância) este processo eleitoral foi mostrado como um circo, uma palhaçada, por causa dos 150 candidatos e de serem necessárias apenas 65 assinaturas para concorrer. Esta conversa vem dos mesmos que costumam chamar aos EUA uma democracia a fingir, por ser dominada por dois grandes partidos, os únicos que podem, salvo raras excepções à escala menor, ganhar eleições. Num caso raro em que a eleição está liberta das amarras partidárias e se tornou, na verdadeira acepção da palavra, popular, os críticos chamam-lhe “um carnaval”. Talvez seja porque muitos desses que falam tenham ainda fé nas “verdadeiras democracias populares”, aquelas de partido único.

Por: Nuno Amaral Jerónimo

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